sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O Kula - O complexo sistema de trocas entre os trobriandeses do Pacífico Sul | Malinowski

por Juliano Marcel | Antropologia

           Malinowski afirma que os nativos das ilhas do sul do Pacífico são hábeis navegadores e mantém uma intensa relação comercial com os diversos povos que habitam a região. Um desses sistemas de comércio, sendo o mais importante – segundo Malinowski – é o Kula. Ocupa uma importância fundamental na vida tribal dos nativos. Para Malinowski, o objetivo fundamental da pesquisa etnográfica de campo é estabelecer a constituição tribal e delinear as leis e os padrões de todos os fenômenos culturais na totalidade de seus aspectos e formular inferências gerias (p. 24). Ou seja, cada fenômeno deve ser estudado a partir do maior número possível de suas manifestações concretas e estudado a partir de um levantamento exaustivo de exemplos detalhados, sendo este método chamado de documentação estatística por evidência concreta (p. 27). Dentre os fenômenos observados pelo etnógrafo in loco, deve-se dar atenção aos “imponderáveis da vida real” e do comportamento típico, cujos fenômenos abrangem a vida cotidiana dos nativos, o cuidado com os corpos, alimentação, conversas e vida social, laços de amizades, e etc., é o olhar atencioso do pesquisador que conseguirá extrair destes fenômenos a compreensão das estruturas daqueles povos (p. 29), e elaborar um corpus inscriptionum, uma coleção de asserções, narrativas, palavras características, elementos folclóricos e fórmulas mágicas (p. 33).
A região da Nova Guiné, no Pacífico Sul, é de difícil acesso, e as tribos que vivem no âmbito social do Kula pertencem ao mesmo grupo racial, espalhados pelo arquipélago. A atenção do autor se destina aos chamados papua-melanésios, que se distinguem em dois grupos, um ocidental – os papua-melanésios –, e outro oriental – chamados de massim –, sendo que é acerca este último que se processa o Kula. Malinowski relata sobre o Kula, sob a perspectiva do distrito de Trobriand, entre os nativos Boyowa, e as trocas realizadas entre os nativos de distritos arredores. Nestes grupos, a autoridade está investida entre os mais velhos de cada aldeia, não havendo uma autoridade geral. Os velhos representam a tribo de forma coletiva em qualquer acontecimento, preservando as tradições tribais. São tribos de estrutura social matrilinear, sendo que o indivíduo pertence à divisão totêmica e ao grupo social da mãe, sendo do irmão dela que recebe a herança. A mulheres são independentes e exercem papel de importância nas transações e festas tribais.
O Kula é uma forma de troca e tem caráter intertribal amplo, praticados por diversas tribos no extremo oriental da Nova Guiné. Ao longo da rota de cerimônia do Kula, dois únicos artigos se destacam: no sentido horário, os longos colares feitos de conchas vermelhas chamadas de soulava; no sentido oposto, os braceletes feitos de conchas brancas, chamadas de mwalli. É a troca entre estes artigos que estabelece o Kula, onde são elaboradas cerimônias públicas e rituais mágicos. Em cada aldeia, um número restrito de homens participa do Kula, recebendo o artigo como troca (bracelete por concha, e vice-versa), ficam com ele por um tempo, e, depois, passam adiante. A relação não se limita à uma única troca, antes, é uma relação que se perpetua. Malinowski cita a frase “uma vez no Kula, sempre no Kula”. Os artigos são trocados com periodicidade, encontrando-se sempre em movimento, de mão em mão, não ficando retido a apenas um indivíduo. Para além da troca dos artigos, outras atividades são realizadas paralelamente à elas, sendo atividades de comércio comum, negociando bens que não são produzidos em suas ilhas e indispensáveis à sua economia. O Kula é uma atividade em rede complexa de troca, que vincula uma diversidade de objetivos comuns às diversas tribos participantes numa inter-relação, formando um grande organismo. Porém, o nativo participante do Kula, não tem dimensão do todo que compõe o Kula. Seu olhar é subjetivo à sua atuação e experiência pessoal, sem dimensionar a complexidade de atividades e relações que a estrutura do Kula representa. O Kula representa um complexo sistema de troca comercial, carregado de significados, deveres, privilégios, que se estende às transações comerciais menores. Embora o Kula seja a permuta de dois objetos simples que transitam de mão em mão, tornou-se o alicerce de uma grande instituição intertribal associada a inúmeras outras atividades.

Referências Bibliográficas
MALINOWSKI, Bronislaw. 1978 [1922]. “Introdução” (pp. 17-34) e “Capítulo 3 - Características essenciais do Kula” (pp. 71-86). In Os Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural.

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Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.

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