terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A Crise da Modernidade em perspectiva contraposta em Jürgen Habermas e Pierre Bourdieu

A Crise da Modernidade em perspectiva contraposta em Jürgen Habermas e Pierre Bourdieu

por Juliano Marcel  (dez/2019)

 

Introdução

O presente artigo pretende se ocupar das teorias propostas por Jürgen Habermas (1929-) e Pierre Bourdieu (1930-2002) estabelecendo uma conexão em contraposição acerca da crise da modernidade presente nos trabalhos dos dois autores. Tanto o primeiro quanto o segundo, um na Alemanha e outro na França, vão refletir sobre o processo do desenvolvimento social na modernidade, gerida pelo capitalismo, que culminou no que ficou conhecido como “a crise da modernidade” nos anos posteriores à Grande Guerra. Embora em contextos sociais diferentes, os dois autores propõem reflexões e críticas importantes à sociedade e à própria Sociologia de seu tempo. Procuraremos introduzir a questão da “crise da modernidade” a partir dos conceitos propostos pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, para que se possa, a partir da compreensão do contexto histórico imediato, compreender as teorias sociológicas de Habermas e Bourdieu.

Theodor Adorno e Max Horkheimer são personagens centrais, na Alemanha, que vão retomar as discussões sociológicas e propor novos paradigmas para a Sociologia neste período em que se começa a questionar a noção de modernidade, cuja discussão se estabelece sobre o possível fim da modernidade e na proposta de uma pós-modernidade e a necessidade, então, da Sociologia se posicionar a partir destes novos paradigmas. Adorno e Horkheimer ficaram conhecidos como partes integrantes da primeira geração da Teoria Crítica que surgiu na Escola de Frankfurt. É a partir de 1930 que a Teoria Crítica vai se estabelecer, com uma forte contribuição do trabalho de George Lukács – História e Consciências de Classe (1922). Lukács vai propor neste livro um diagnóstico do capitalismo moderno pautado na ideia de que o capitalismo provoca uma reificação, ou seja, um mundo das estruturas subjetivas que aparecem a estes mesmo seres humanos como algo externo, como uma coisa externa, fazendo com que a vida humana seja determinada por estruturas objetivas da qual os seres humanos nada podem fazer. Este diagnóstico de Lukács tende a ser pessimista, uma vez que a experiência da reificação coloniza a própria subjetividade do ser humano. Por reificação entende-se a coisificação das relações sociais, de modo que a sua natureza é expressa através de relações entre objetos de troca (fetichismo da mercadoria). O conceito foi desenvolvido por Lukács e trabalhado também pelos integrantes da Escola de Frankfurt. A saída para Lukács é a revolução, que implode a reificação, mostrando na prática que são os seres humanos que fazem a história. Quando a classe proletária se compreende como mercadoria neste capitalismo, passa a ter uma consciência histórica da sociedade, podendo então desencadear a revolução. Lukács afirma que é o ponto de vista da classe proletária que permitirá uma compreensão da sociedade reificada, buscando entender que sociedade é esta e quais os caminhos a serem transformadas nesta sociedade. Lukács escreve a partir do contexto da Revolução Russa e vislumbra esta possibilidade de revolução. Nos anos 1930, esta percepção muda em razão do surgimento dos Estados Totalitários e a própria estruturação da URSS com a ascensão do Stalisnismo, passando a ser questionado esta percepção revolucionária. A teoria crítica vai pegar a perspectiva negativa de Lukács – o diagnóstico do capitalismo moderno reificado – e desenvolver esta análise da sociedade a partir do diagnóstico negativo. Para os teóricos críticos, o que incomodava era perceber que a dominação é mais profunda do que pensavam. Os teóricos críticos buscam compreender o desenvolvimento da atividade humana e afirmam que ela pode ser alterada, que é suscetível a mudanças e transformações humanas. Mostram que é possível sair desta jaula de aço (Weber); afirmam que é possível que as coisas sejam diferentes, que poderiam ser diferentes; afirmam que a realidade é produto da atividade humana, e, portanto, podem ser transformados pela própria atividade humana, se tornando algo diferente do que ela é, ou está.

Qual a fundamentação da teoria crítica? Em nome do que ela vai propor esta mudança? A teoria crítica vai para uma resposta abstrata. Afirma que a saída está na própria teoria que critica a reificação moderna, mostrando que há a possibilidade de uma vida social diferente, racional, contra a tendência irracional do capitalismo moderno. A meta é uma sociedade racional e a possibilidade desta sociedade racional criticar a própria sociedade irracional submetida ao capitalismo moderno. A partir da década de 1940, a teoria crítica vai afirmar que não cabe mais ao pensamento dialético meditar sobre qual é a saída da dominação. Antes, ao menos se poderia propor que a sociedade poderia ser diferente. No entanto, agora fica claro que não há chances de saída para esta sociedade reificada. Ou seja, a reflexão crítica recai sobre a própria teoria crítica. É esta tensão negativa que permanece, afirmando que há um diagnóstico da perpetuação da reificação da sociedade. Há uma visão pessimista em razão da própria sociedade estar se transformando numa mercadoria do capitalismo. Os teóricos críticos vão afirmar que a sociedade passa a ser pautada por uma experiência alienante, reificada, dominada, colonizada por uma mentalidade através de indústria cultural. É a dominação se generalizando em todas as esferas sociais. Adorno propõe sua sociologia crítica, como uma crítica imanente. Cabe à crítica apontar as contradições existentes nos conceitos que a sociedade tem de si mesmo e que não se efetiva na realidade. Uma sociedade que abre possibilidades emancipadoras, mas que não se efetivam na prática. Para Adorno a crítica deve ter uma teoria que possa indicar, denunciar, expressar os antagonismos desta sociedade, apontando os fatos, denunciando as aparências que são contraditórias em relação às essências conceituais que elas mesmas se impõem. Ou seja, é uma sociologia subordinada à uma crítica que se faz de modo permanente, sem uma efetivação de proposta emancipatória clara.

Habermas foi aluno do Adorno e ficou conhecido como parte da segunda geração da Teoria Crítica. Ele consolida e estabelece a sua posição em relação à primeira geração questionando se a teoria crítica permanece crítica mesmo. Ele não propõe uma avaliação da teoria crítica anterior. Antes, propõe uma ruptura. Habermas propõe uma mudança da análise propostas pela primeira geração da Teoria Crítica (Adorno, Horkheimer e Weber) e pela tradição francesa (Foucault). Para Habermas, estas duas vertentes da Teoria Crítica mais se ocuparam em aprofundar a análise crítica da esfera de dominação, que esqueceram da esfera emancipatória desta análise crítica. O que nos importa neste trabalho é determinar qual a crítica que Habermas estabelece à primeira geração dos teóricos críticos, cuja teoria esboçamos brevemente nas linhas acima, e qual a sua proposta quando afirma que há, no mundo da vida, em oposição ao que afirmaram a primeira geração da Teoria Crítica, um elemento capaz de interromper o fluxo de colonização perpetradas pelo mundo do sistema, por meio da dominação, sobre a dimensão do mundo da vida, o que ele chamará de Razão Comunicativa. Uma vez estabelecida esta oposição, buscaremos contrapor esta posição crítica adotada por Habermas à teoria proposta pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Pierre Bourdieu estabelece um método buscando identificar como a sociologia pode servir para identificar os fenômenos de dominação presentes na sociedade, algo do qual a Teoria Crítica alemã se ocupou, no entanto, a intenção de Bourdieu é desmistifica-los. A visão de Bourdieu recai sobre a prática social, ou seja, sobre o modo de vida social dos indivíduos e sua incapacidade de se conscientizar dos processos de dominação por estarem imersos nos mecanismos de dominação. É a partir destas proposições que este trabalho pretenderá estabelecer uma crítica, a partir da teoria sociológica de Pierre Bordieu, à Teoria Crítica de Habermas e sua proposta emancipatória a partir do conceito de Razão Comunicativa.

  

A TEORIA CRÍTICA DE HABERMAS

Habermas foi aluno do Adorno, e ficou conhecido como a segunda geração da teoria crítica, consolidando a sua posição em relação à primeira geração neste processo, a de se perguntar se a teoria crítica permanece crítica. Ele não propõe uma avaliação da teoria crítica anterior. Antes, propõe uma ruptura. Habermas afirma que Teoria Crítica é ir atrás da análise da dominação e propor um meio de emancipação. Neste sentido, se vê de forma mais crítico que o Adorno, uma vez que ele vai atrás do horizonte emancipatório, algo que Adorno afirmava ser impossível.  

O sociólogo propõe uma mudança de perspectiva de análise propostas pela primeira geração da Teoria Crítica (Adorno, Max, Weber) e pela tradição francesa (Foucault). Para Habermas, estas duas vertentes da teoria crítica fizeram uma crítica profunda à modernidade, mas se esqueceram da esfera emancipatória desta análise crítica.

O problema para Habermas é o que ele chamará de “colonização” do mundo da vida (as esferas da vida cotidiana, arte, direito, moral e etc.). Este mundo é colonizado pelos imperativos externos a ele. O utilitarismo instrumental racional perpassa de forma objetiva a constituição da esfera pública (o Estado) em seus aspectos racionais burocráticos e administrativos, e a esfera do mundo privado ambientes mediados pelo conhecimento técnico e racional orientador das condutas e ações dos indivíduos. Esse aspecto de racionalidade que se desenvolve na sociedade ocidental contextualiza a relação entre “indivíduo” e “estrutura” dentro da chamada “jaula de ferro” da razão. Aspecto esse que o próprio Weber enxerga de forma pessimista no que diz respeito ao desenvolvimento dos processos sociais no futuro. A crise da modernidade se deve porque o sistema (Estado/Economia) se pautam por esta racionalidade utilitária instrumental. O problema para Habermas se estabelece quando esta lógica da racionalidade instrumental passa a ser utilizada para determinar o mundo da vida. Para se fazer uma crítica, então, é necessário estabelecer uma análise do mundo da vida, sendo que deve ser resgatada no mundo da vida o elemento fundamental emancipatório desta própria sociedade, o que Habermas vai chamar de “racionalidade comunicativa”. É na racionalidade comunicativa que está a possibilidade de emancipação em razão da oposição ao sistema dominado pela racionalidade instrumental.

Habermas afirma que o mundo da vida é regido pela racionalidade comunicativa, mas esta está sendo colonizada pelos imperativos da racionalidade instrumental. Ou seja, elas estão em oposição uma à outra. Para Habermas a racionalidade instrumental é inevitável. É impossível para a sociedade capitalista não ser determinada pela racionalidade instrumental em razão do seu avançado estágio de complexificação dos processos produtivos e extrema necessidade de uma burocracia racional para organizar e determinar o mundo sistêmico. Mas esta racionalidade, diz Habermas, deve permanecer dentro deste sistema e não tomar parte no mundo da vida, onde está presente a racionalidade comunicativa, onde há o consenso. Para Habermas, é necessário criar um espaço público (política, democracia), que se utilize da Racionalidade Comunicativa com o objetivo de fazer com que o sistema, onde a racionalidade instrumental se realiza, fique na função dela mesma evitando com que este sistema colonize o mundo da vida, buscando alcançar os fins últimos de realização desta sociedade. A política é o espaço onde os atores se juntam para deliberar e discutir a melhor forma de conviver e determinar a vida. São nestes espaços, nestes ambientes da intersubjetividade que a razão comunicativa se manifesta, em razão de que é uma razão que se estabelece a partir da relação entre sujeitos. Para Habermas, a racionalidade comunicativa é fundamental para a existência da vida social. Ainda que não se possa ver, ela existe e é fundamental para a emancipação da sociedade. Para ele, o resgate da dimensão emancipatória da modernidade está posta no mundo da vida, onde a racionalidade comunicativa se estabelece. A única esfera capaz de colocar limites no funcionamento do sistema de modo que ele permaneça pautando o Estado e o Mercado e não colonize a esfera do mundo da vida, é a esfera da Racionalidade Comunicativa. Toda vida social precisa desta dimensão comunicativa. Ou seja, se o que existe é uma colonização do mundo da vida pela racionalidade instrumental, resta à nós a descolonização do mundo da vida de modo que ela possa pautar o sistema e não o funcionamento interno do sistema pautar o mundo da vida. Na modernidade o mundo do sistema passa a funcionar sem prestar contas para o mundo da vida. Ele age de maneira autônoma sem prestar contas ao mundo da vida, antes, se impõe (a lógica da racionalidade instrumental) aos agentes sociais do mundo da vida. Uma forma de fazer frente ao desengate do sistema, é recolocar o sistema submetido ao mundo da vida. É o reingate do sistema às deliberações do mundo da vida.

Habermas admite que há uma crise na modernidade. Mas, para ele, é preciso buscar uma saída positiva para o projeto da modernidade, ao contrário do proposto por Adorno. E esta saída passa pela racionalização comunicativa, como forma de interação social, ainda que ele esteja sendo colonizado, deve ser defendido e ampliado para se reconectar ao sistema de modo a que este sistema seja determinado pelo mundo da vida. A racionalidade instrumental se ocupa com os meios para que os processos se estabeleçam, no entanto, Habermas afirma que é responsabilidade do mundo da vida orientar e estabelecer os fins últimos para o sistema. Para isso, Habermas vai propor (pressupor) a “situação ideal de fala”, como base para a crítica da racionalidade da modernidade realmente existente. É neste ponto que Habermas se diferencia da primeira geração dos teóricos críticos, quando se propõe a estabelecer uma saída de emancipação para a modernidade. Ele afirma que os teóricos de seu tempo estabeleceram uma crítica apenas a uma dimensão unilateral da modernidade, à dimensão sistêmica, ressaltando o lado de dominação da modernidade e perderam a dimensão do mundo da vida, onde existem os aspectos emancipatórios da racionalidade instrumental sistêmica. É a consideração desta dimensão do mundo da vida, através da racionalidade comunicativa, que se estabelece uma possibilidade de saída da dominação sistêmica da racionalidade instrumental.

Um exemplo desta lógica da racionalidade instrumental que coloniza a dimensão do mundo da vida, é a perspectiva do neoliberalismo, a mercantilização da vida individual, onde é a lógica do mercado determinando a esfera do mundo da vida. Para Habermas, a teoria crítica se estabelece a partir da lógica da superação da dominação pela emancipação. Na sua leitura, a crítica anterior de Adorno perdeu a perspectiva da emancipação e se estabeleceu apenas na crítica à dominação. Habermas afirma que é necessário resgatar o fundamento emancipatório da teoria crítica. O seu objetivo é refazer a teoria da modernidade a partir de uma característica dual da teoria crítica, entre dominação e emancipação. Para Habermas, os teóricos críticos anteriores, acreditaram que a dominação sistêmica colonizou o mundo da vida, de tal forma que eliminou qualquer possibilidade de emancipação. Porém, se existe a colonização então existe a possibilidade de “descolonização” do mundo da vida por meio da racionalidade comunicativa.

 

A TEORIA DA AÇÃO EM PIERRE BOURDIEU

 A França é a pátria da sociologia e a pátria do “intelectual” clássico, tendo como referência, contemporânea à Bourdieu, o filósofo Jean-Paul Sartre. Pierre Bourdieu entra na vida intelectual no momento histórico em que o Partido Comunista Francês está com muita força, após a segunda guerra mundial. É neste contexto que os intelectuais engajados franceses se popularizam. Sartre é um clássico intelectual engajado com a causa social do trabalhador, dos oprimidos. Bourdieu faz uma crítica sobre Sartre em razão de que ele fala sobre tudo e não desenvolve uma filosofia científica. Um intelectual de esquerda total. Bourdieu afirma que não é possível ao intelectual falar sobre tudo. Isso não é ciência. É preciso que o intelectual seja científico. Nos anos 70/80 há uma proliferação de intelectuais de direita midiáticos. É nesse contexto que Bourdieu se consolida como sociólogo. Para ele, os filósofos estão vivendo a ilusão escolástica. Bourdieu admite, assim como os teóricos críticos alemães, que existe uma crise da modernidade. Porém, a prática social, ou seja, o modo de vida social dos indivíduos manifesta uma incapacidade de se conscientizar dos processos de dominação perpetradas pelo mundo sistêmico, em razão de estarem imersos nos mecanismos de dominação. É impossível, para Bourdieu, aos agentes sociais tomarem consciência da dimensão de dominação, em razão que elas não sabem que estão sendo dominadas. Para sua análise sociológica, Bourdieu vai delimitar as fronteiras da sociologia em oposição às outras ciências, principalmente a Filosofia. Há uma luta interdisciplinar entre as disciplinas, de modo que Bourdieu vai se opor ao Foucault, Althusser e ao Sartre afirmando que a sociologia é superior à filosofia.

Bourdieu concorda com Durkheim em que a sociedade não é apenas uma soma dos indivíduos. Antes, pensa em sociedade como campos simbólicos de dominação. Os agentes sociais estão em disputas internas aos campos sociais e, a partir destes campos sociais, estão dominados à lógica de funcionamento internos à cada campo específico que compõe o todo da sociedade. Esta submissão dos agentes sociais à lógica interna de cada campo em disputa, se dá por meio da prática (práxis), algo intermediado pelo habitus que se estabelece de forma inconsciente nos agentes sociais. É nesta prática de vida social interna a cada campo que se manifesta aquilo que Bourdieu chama de violência simbólica. Ou seja, as pessoas estão sendo violentadas por meio da dominação, mas não estão conscientes desta violência. Para Bourdieu, a única forma de entender esta dimensão de dominação é por meio da “ciência”, por meio de uma produção sociológica. Para a Escola de Frankfurt na Teoria Crítica (Adorno) é a “teoria”, para Habermas é a “razão comunicativa”. Porém, para Boudieu, esta compreensão só é possível aos intelectuais, na universidade, em razão da estabilidade e condições materiais do qual desfrutam, podendo então compreender as dimensões de dominação na sociedade, diferentemente das pessoas que estão na vida prática. A prática tende à subjetividade levando-a a reproduzir as dimensões objetivas de dominação. Porém, segundo Bourdieu, não cabe ao intelectual dizer aos agentes sociais como eles estão sendo dominados e como superar esta dominação. Cabe ao cientista entender a dominação, apontar a dominação, mas não intervir na dominação. Toda prática social se dá em meio a relação de uma estrutura social de um campo específico (particular) e um habitus específico. É o habitus que fará a intermediação do campo social com a prática. O habitus é a medida social incorporada da realidade objetiva a partir da dimensão social em que o agente social se encontra. Esta incorporação é inconsciente. A sociedade é um grande campo social subdividido em campo sociais menores, a partir das áreas ou esferas de valor (ex. religião, intelectual, econômico, político, etc.). Os campos sociais são estruturas invariantes. O que varia é o capital simbólico específico de cada campo, mas as estruturas de funcionamento do campo é o mesmo. Os campos são microcosmos sociais, que são relacionais e que são movidos por uma disputa incessante e permanente pelos agentes sociais na busca por capital simbólico específico de cada campo, e que determinará os dominantes e os dominados.

Para Bourdieu, a sociologia desvenda a dominação, mas não pode fazer mais nada além do que isso. Porém, a mera compreensão da dominação não dá às pessoas a possibilidade de romper com a dominação, em razão do “habitus”. Diferentemente dos filósofos que acreditavam que a possibilidade de desvendar a dominação permitiria uma intervenção direta dos sujeitos sociais para a emancipação, Boudieu afirma que os agentes sociais não compreendem a dominação em razão de estarem em uma situação que os impede de percebê-la. A Sociologia é uma ciência superior à filosofia em razão da possibilidade de se desvendar a dominação, porém nada pode fazer a favor da emancipação, em razão de que a dominação se estabelece sobre as pessoas por meio do habitus de forma inconsciente. As pessoas estão sendo dominadas e não sabem que estão. É um processo inconsciente, até mesmo corporal. Por isso Bourdieu propõe um método sociológico que tem a praxeologia como fundamento, pois é na prática social que Bourdieu propõe que se pode compreender o habitus. Os intelectuais estão na universidade e possuem uma lógica própria da reflexão que permite aos cientistas a compreensão da dominação. As pessoas, no entanto, estão na lógica da vida, no habitus da vida, na prática do cotidiano, o que lhes impede de uma tomada de consciência da dominação. O habitus replica, no campo subjetivo, a tendência de se adequar as possibilidades objetivas da dominação. Para Bourdieu, o subjetivo se adequa ao objetivo. O dominado no campo vai repetir esta dominação de dominado. Neste sentido, Bourdieu está fazendo uma sociologia da dominação. O objetivo é desconstruir uma predominância da filosofia sartriana, e estabelecer a sociologia como aquela que pode dar conta da dominação em razão de ser a única que possui a teoria da prática social. Nesta análise social, Bourdieu afirma que a prática vem por meio do habitus, ou seja, é inconsciente, pois o habitus incorpora a estrutura social objetiva. Se há uma subjugação da prática subjetiva pelo habitus incorporada das estruturas sociais objetivas, como permitir que os agentes sociais se tornem conscientes deste processo? Para Bourdieu, as tomadas de decisão dos agentes sociais são determinadas pela posição objetiva dos campos sociais em que se estão inseridos. Ou seja, as tomadas de decisão passa pela mediação do habitus, que é a incorporação inconsciente das posições sócias das estruturas sociais objetivas. Neste sentido, Bourdieu nega a proposta sartriana da valorização das estruturas sociais subjetivas afirmando ter superado as propostas objetivas e subjetivas. Porém, ele coloca a tomada de decisão pelos atores sociais replicando as posições das estruturas objetivas. Qual a consequência da prática social? Para Bourdieu, o mundo social é e sempre será cindido por estes campos, nos quais se estabelecem a dominação e os dominados sempre entenderão o mundo a partir dos elementos propostos pelos dominantes. O mundo social é uma arena de competição permanente nos campos sociais. Os seres humanos se movem na busca pelo reconhecimento dos seus pares dentro do seu campo. A vida social é um plebiscito permanente, está sendo avaliado cotidianamente. Todo campo social deve ter sua autonomia, uma vez que eles se estabelecem a partir de uma lógica própria no sentido das disputas internas a cada uma. Quando uma força externa passa a pautar a lógica de um determinado campo social, passa a ser dominada pela estrutura social. E é neste sentido que a dominação se estabelece sobre os agentes sociais, determinando um certo modo de agir e pensar, internalizada inconscientemente por meio do habitus. Para Bourdieu, os agentes sociais agem a partir de uma lógica prática. A única maneira de compreender a lógica prática dos agentes é por meio da ciência, que possui uma lógica teórica própria. Daí a importância que Bourdieu dá ao método sociológico.

Para Bourdieu, então, não é possível pensar o sujeito como alguém que pode tomar consciência das suas condições objetivas, ou seja, de sua dominação. Bourdieu afirma que este sujeito está perpassado pelo habitus apropriado de uma determinada estrutura social de modo inconsciente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Vimos que tanto Habermas quanto Bourdieu, um na Alemanha e outro na França, refletem sobre o processo do desenvolvimento social na modernidade, gerida pelo capitalismo, que culminou no que ficou conhecido como “a crise da modernidade” nos anos posteriores à Grande Guerra. Embora em contextos sociais diferentes, os dois autores propuseram reflexões e críticas importantes à sociedade e à própria Sociologia de seu tempo

Habermas consolida e estabelece a sua posição em relação à primeira geração da teoria crítica questionando se ela permanece crítica mesmo. Ele não propõe uma avaliação da teoria crítica anterior. Antes, propõe uma ruptura. Para Habermas, estas duas vertentes da teoria crítica, a alemã e a francesa, mais se ocuparam em aprofundar a análise crítica da esfera de dominação, que esqueceram da esfera emancipatória desta análise crítica. Vimos qual a crítica que Habermas estabelece à primeira geração dos teóricos críticos, cuja teoria esboçamos brevemente nas linhas acima e qual a sua proposta quando afirma que há, no mundo da vida, em oposição ao que afirmaram a primeira geração da Teoria Crítica, um elemento capaz de interromper o fluxo de colonização perpetradas pelo mundo do sistema, por meio da dominação, sobre a dimensão do mundo da vida, o que ele chamou de razão comunicativa. Porém, enquanto Habermas afirma que esta razão comunicativa é o elemento emancipatório capaz de libertar os sujeitos sociais da dominação sistêmica, quando estes sujeitos sociais se relacionam nas esferas públicas, de modo intersubjetivo, podendo deliberar e determinar os limites de influência do mundo sistêmico na esfera do mundo da vida. Ou seja, a política passa a ser um ambiente fundamental, pois é a esfera onde há a participação dos sujeitos sociais nas tomadas de decisão que determinará o mundo do sistema, para os movimentos emancipatórios da sociedade e uma saída à crise da modernidade. Esta saída se estabelece quando os sujeitos sociais se conscientizam de seu estado de dominação e se utilizam dos recursos democráticos ainda existentes na sociedade para se opor à ela, por meio dos espaços públicos de participação social que, mediada pela razão comunicativa, possibilitará aos sujeitos sociais deliberar sobre as condições materiais que devem se colocar o Estado e o Mercado. Ou seja, para Habermas, são os sujeitos que devem determinar os limites do mundo sistêmico e não o contrário. A razão instrumental é importante dentro de sua esfera de ação (mundo do sistema). Mas ela não deve se pautar e determinar o mundo da vida. Neste sentido, os sujeitos sociais têm fundamental importância no processo emancipatório do mundo da vida, através da razão comunicativa, a participação nas esferas públicas, nos processos de conciliação e etc.

Porém, a teoria sociológica de Bourdieu se opõe à esta proposta emancipatória de Habermas, uma vez que, para o francês, o que determina a vida dos indivíduos é a sua incapacidade de se conscientizar dos processos de dominação por estarem imersos nos mecanismos de dominação. É impossível aos agentes sociais tomarem consciência da dimensão de dominação, em razão que elas não sabem que estão sendo dominadas. Neste sentido, a proposta teórica da prática bourdieuziana – a praxeologia – se contrapõe à proposta emancipatória da razão comunicativa de Habermas. Para Bourdieu, a única forma de entender esta dimensão de dominação da modernidade é por meio da “ciência”, ou seja, por uma produção sociológica. Para a Escola de Frankfurt, em Habermas, é por meio da razão comunicativa. Para Boudieu, são os intelectuais na universidade, em razão da estabilidade e condições materiais, que podem compreender as dimensões de dominação na sociedade, diferentemente das pessoas que estão na vida prática, ou seja, no cotidiano da vida. A prática tende à subjetividade levando-a a reproduzir as dimensões objetivas de dominação. Toda prática social se dá em meio a relação de uma estrutura social de um campo específico (particular) e um habitus específico. É o habitus que fará a intermediação do campo social com a prática. Para Bourdieu, o habitus é a medida social incorporada da realidade objetiva a partir da dimensão social em que o agente social se encontra, cuja incorporação se estabelece de modo inconsciente. A sociologia, então, pode fazer uma análise sociológica da sociedade em razão do conceito que ele constrói de “campo social” e, assim, conseguir identificar os mecanismos de dominação, mas não os agentes sociais. Ou seja, a Sociologia desvenda a dominação, mas não pode fazer nada além do que isso. Porém, a mera compreensão da dominação não dá às pessoas a possibilidade de romper com a dominação, em razão do habitus. A conclusão de Bourdieu, neste sentido, se diferencia dos filósofos que acreditavam que a possibilidade de desvendar a dominação permitiria uma intervenção direta dos sujeitos sociais para a emancipação, ao mesmo tempo em que se coloca em contraposição à proposta de Habermas, quando este afirma que o elemento emancipatório está na razão comunicativa.

Para Habermas, é possível criar um espaço público que se utilize da racionalidade comunicativa com o objetivo de fazer com que o mundo do sistema, onde a racionalidade instrumental se estabelece, fique na função dela mesma, evitando com que este sistema colonize o mundo da vida, buscando alcançar os fins últimos de realização desta sociedade. A Política é o espaço onde os atores se juntam para deliberar e discutir a melhor forma de conviver e determinar a vida. Porém, para Bourdieu, não é possível pensar o sujeito como alguém que pode tomar consciência das suas condições objetivas, ou seja, de sua dominação. Bourdieu afirma que este sujeito está perpassado pelo habitus apropriado de uma determinada estrutura social de modo inconsciente. Logo, toda tentativa de desvendar a dominação para este agente social é nulo. Neste sentido, a proposta emancipatória proposta por Habermas, a razão comunicativa, seria mais uma ilusão escolástica para Bourdieu.

 

Referências Bibliográficas

 Adorno, Theodor. “A retomada da questão do essencial”. In: Introdução à sociologia (1968). São Paulo: Editora Unesp, 2008, pp.79-96.


Bourdieu, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. [Prefácio à edição brasileira; Prefácio; I. Espaço social e espaço simbólico].

 

Burawoy, Michael. “Tornando a dominação durável: Gramsci encontra Bourdieu”. In: O marxismo encontra Bourdieu. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, pp.49-80.

 

Cohn, Gabriel. “Apresentação à edição brasileira. A sociologia como ciência impura”. In: Theodor Adorno, Introdução à sociologia (1968). São Paulo: Editora Unesp, 2008, pp.19-34.

 

Freitag, B. “Habermas e a teoria da modernidade”. Cadernos CRH, n.22, 1995, pp.138-163.

 

Habermas, J. “Modernidade – um projeto inacabado”. In: Arantes, Otília & Arantes, Paulo. Um ponto cego no projeto moderno de Jürgen Habermas: arquitetura e dimensão estética depois das vanguardas. São Paulo: Brasiliense, 1992, pp.99-124.

 

__________. “O entrelaçamento de mito e esclarecimento: Horkheimer e Adorno”. In: O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp.153-186.

 

Horkheimer, Max. “Teoria tradicional e teoria crítica”. In: Benjamin, Habermas, Horkheimer, Adorno. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1983, pp.117-154.

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