A Ciência e o papel do(a) cientista, na perspectiva de Weber - uma reflexão sobre o valor das Ciências Sociais e Humanidades
A Ciência e o papel do(a) cientista, na perspectiva de Weber - uma reflexão sobre o valor das Ciências Sociais e Humanidades.
por Juliano Marcel
Introdução
O presente artigo pretende abordar o
tema: A ciência e o papel do(a)
cientista, na perspectiva de Max Weber, baseado na recente polêmica sobre a
relevância das Ciências Sociais e as áreas de humanidades, perpetrada pelo
atual ministro da educação, Abraham Weintraub. Diversas foram as reações e
respostas de diversas vertentes e áreas, seja entre os acadêmicos, jornalistas,
juristas ou afins. No entanto, para abordar esta temática, será proposto três
argumentos diferentes mobilizados para afirmar a relevância das Ciências
Sociais, veiculados na imprensa. Em seguida, será elaborado uma reflexão sobre
o papel da ciência na modernidade, nas discussões propostas por Weber em A Ciência como Vocação.
A polêmica do
governo federal sobre áreas de humanidades
No dia 25 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro elogiou a postura
do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de propor a redução dos
investimentos em cursos de áreas humanas para priorizar os cursos que, nas
palavras dele, “geram retorno de fato”, como “enfermagem, veterinária,
engenharia e medicina”. Segundo o presidente, a ideia é “focar em áreas que
gerem retorno imediato ao contribuinte”. A proposta de Weintraub foi anunciada,
nessa quinta-feira (25/4), e endossada pelo presidente – via Twitter. O
ministro fez o anúncio durante transmissão ao vivo pelo Facebook ao lado de
Bolsonaro. Mas Abraham Weintraub não detalhou a dinâmica desta decisão. Em sua
mensagem no Twitter sobre o tema, Jair Bolsonaro foi além e incluiu a expressão
“humanas” para mostrar que esse direcionamento de gastos pode ser ainda mais
amplo. “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando
para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere
renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua
volta”, escreveu ele, na sua rede social. Esta proposta reacendeu uma antiga
polêmica sobre a relevância das áreas de humanas, em especial, a de Filosofia e
Sociologia. Diversas foram as manifestações, a favor e contra a decisão. No
entanto, será apresentado a seguir aquelas manifestações que foram contrárias à
esta decisão do governo.
Após este episódio
veiculado e amplamente compartilhado nas redes sociais, diversas foram as
manifestações de repúdio à decisão do governo. Fausto Oliveira, em seu artigo
publicado no site Portal Disparada afirma: “Na contramão do mundo desenvolvido,
o Ministério da Educação começou, com todo aval do ‘presidente da República’, a
desmontar a estrutura de ensino de Ciências Humanas no panorama universitário
nacional” (DISPARADA, 2019). Ele continua afirmando que no argumento do
presidente, está “a falácia de que cientistas humanos não contribuem com os
processos produtivos, pois suas ações se resumiriam a produzir textos abstratos
com nula aplicabilidade, e também ensinar jovens a fazer o mesmo”. Fausto
Oliveira afirma, contestando a decisão do presidente, que na atualidade, o
desenvolvimento produtivo, com seu alto grau de eficiência “demanda
necessariamente do pensamento criativo, o questionamento constante”, cujas competências
são estimuladas e desenvolvidas nas áreas de humanidades. Na atual forma de
pensar o mundo globalizado e seu sistema produtivo multidisciplinar, que
objetiva o desenvolvimento industrial a partir de competências do
desenvolvimento criativo humano, “a inovação permanente, a contextualização de
seus potenciais e riscos, [...] suas possibilidades de conexão com outros
produtos e serviços, [...] seus impactos
socioambientais, suas interações psicológicas e estéticas com o consumidor, e
ainda outros fatores”, são fundamentais para alcançar uma produção de ponta e
com grande eficácia. Ele conclui afirmando que “a produção científica de ponta
requer um misto de conhecimentos: as Ciências Exatas e Biológicas, quando
aplicadas à produção de ponta, se misturam à Geografia, à Sociologia, aos
estudos culturais, à Estética, à análise histórica e social”.
De forma semelhante,
contrária à decisão do governo, o site de notícias Uol, veiculou uma matéria
escrita por Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil em Londres, afirmando que
estas áreas, Ciências Sociais e humanas, são as que mais concentram uma
diversidade racial em relação às demais áreas acadêmicas. Embora estejam com o
orçamento em risco, em razão do corte proposto pelo governo, ainda assim estas
disciplinas apresentam maior diversidade racial tanto nas universidades
públicas quanto nas privadas. Nathalia apresenta um comparativo, afirmando que
“enquanto nos cursos de Sociologia e Filosofia, há 1 negro para cada 3 e 4
brancos respectivamente”, nos cursos onde o presidente afirmou serem de maior
retorno, ou seja, com um retorno financeiro mais rápido, os de medicina e
veterinária, “a proporção é de 1 negro para 16 brancos”. Há a possibilidade de
que, de acordo com a matéria, o corte de verbas para estas áreas signifique, na
prática, uma redução desta diversidade nas universidades. Nesta matéria, a
professora entrevistada Andreza de Souza Santos, diretora do Programa de
Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, afirma que “o eventual corte de
investimento em cursos de ciências sociais e humanas traria como efeito de
curto prazo um ‘embranquecimento’ das universidades federais”, uma vez que
cursos como as da área de exatas possuem uma nota de corte muito alta, e os
candidatos negros oriundos de escolas públicas com baixa qualidade de ensino,
não conseguiriam acessar este ambiente. Logo, não apenas as áreas das Ciências
Sociais e humanas são importantes como áreas de produção científica, bem como,
são, também, os ambientes mais democratizados nas universidades, uma vez que
permitem o acesso ao curso superior de um número maior de pessoas de baixa
renda e maioria negros(as).
Rafael Barifouse, da BBC
News Brasil em São Paulo, escreveu uma matéria no site da BBC Brasil,
entrevistando a cientista política Danielle Allen, professora da Universidade
de Havard, nos Estados Unidos, onde ela afirma que “sem os conhecimentos das
ciências humanas não é possível entender a sociedade”. Allen afirma, nesta
entrevista, que não é possível “criar leis para ter uma boa governança com os
conhecimentos de Engenharia e de Física”; é necessário a produção científica
das áreas das ciências humanas para compreender a sociedade e poder traçar bons
planos de governos. Allen afirma, também, que a “redução de investimentos em
ciências humanas e sociais e o maior foco na educação de ciências exatas e
biológicas geram uma menor participação dos cidadãos”, e conclui dizendo que “a
razão pela qual temos instituições democráticas é por causa de disciplinas como
filosofia, sociologia, direito, história, entre outras”.
As três matérias
veiculadas, apresentam argumentos relevantes sobre a importância das Ciências
Sociais e sua relevância para a sociedade.
O papel da
ciência na modernidade segundo Weber
Weber vai se dedicar ao que se chamava de Ciência do Espírito, área a que
pertencia a sociologia. Seus questionamentos podem ser traduzidos por: qual é o
status de ciência das Ciências Sociais? Como o estudo das sociedades e suas
culturas podem serem consideradas como científicas? Como se produzir algo
científico nas análises das sociedades? Afinal, os agentes sociais não permitem
que exista uma noção universal sobre os seus próprios fenômenos. É possível,
então, trazer das ciências naturais noções que possam compreender e explicar as
sociedades? Os indivíduos podem ter motivações inconscientes que ele próprio
não tem conhecimento de suas motivações. O indivíduo pode se enganar. Logo,
existe uma complexidade sobre a análise da sociedade. É possível um
conhecimento “objetivo” das sociedades? Por conhecimento “objetivo”, entende-se
a possibilidade de construir um conhecimento que seria objetivo e que se
descola do próprio ponto de vista do sujeito observador, e se estabelece como
objetivo.
Para Weber, o método das ciências naturais não serviria para analisar os
fenômenos sociais. Weber busca afirmar que é possível as ciências sociais
construir uma análise dos fenômenos sócias objetivo, que é compreendido
independente dos valores do sujeito observador, sem os métodos das ciências
naturais. No texto A Objetividade do
conhecimento na ciência social e na ciência política, Weber vai procurar
dar respostas a estas questões. Este texto está dentro de um contexto
histórico, onde Weber e outros pesquisadores estão desenvolvendo um programa
coletivo das Ciências Sociais, estão numa disputa de poder. Se a ideia de
ciência é ter uma validade objetiva, como é possível ter uma validação objetiva
da significação que os sujeitos dão a sua ação social? O foco de análise de
Weber, é o sujeito, a ação social. O que separa as ciências naturais das
ciências sociais, não é o objeto em si, mas as variadas perguntas que podemos
fazer para este mesmo objeto. É possível, então, olhar para a sociedade
buscando encontrar as normas e leis gerais e invariantes; tanto quanto, é possível
encontrar fenômenos particulares, singulares. Afinal, as pessoas estão
inseridas em diversas relações no mundo, na qual elas se articulam para
determinar uma série de práticas e ações.
Neste sentido, Weber compreende que seu contexto é o de uma intensa
complexificação resultado de uma intensa racionalização do mundo. Neste
sentido, a reflexão sobre o papel da ciência e do pesquisador passa a importar,
em razão de que a própria ciência está passando pelo processo de racionalização
burocrática. No livro Metodologia das
Ciências Sociais, no capítulo que trata da “Ciência como vocação”, Weber faz uma comparação entre a Alemanha e
os EUA, e pontua a americanização das universidades alemãs. Com a complexidade
do sistema, cada vez mais o sistema universitário alemão vai se aproximar das
universidades americanas, em razão de necessidades de transformações na própria
Alemanha. Como o trabalho vai se tornando complexo – aqui o trabalho é o
processo racional da produção capitalista –, os laboratórios também se tornaram
complexos e as atividades nas universidades passaram por um processo de
burocratização, de modo que o custo de uma pesquisa e o trabalho de pesquisador
não pode ser mais sustentado pelo próprio pesquisador. Assim, quem coordena a
pesquisa, deixa de ser o próprio pesquisador e passa a ser o coordenador dos
meios de produção das universidades. Estas transformações são os resultados da
racionalização decorrente do processo de complexificação. Assim como o
trabalhador fica dependente da indústria, o pesquisador fica dependente do
coordenador do laboratório, que a vê como sua. Este é o resultado da
burocratização da modernidade. Este processo de separação do trabalhador dos
meios de produção, gera o que Weber chama de racionalização do trabalho. Cada
vez que esta racionalização se intensifica, o pesquisador deixa de ter uma
relação direta com o resultado do seu trabalho, de modo que se coloca numa
produção em série. Cada vez mais os pesquisadores vão se especializando em
determinadas áreas e perdendo a noção do todo do trabalho intelectual. A antiga
organização da universidade se tornou uma ficção. O trabalho decente para Weber
tende a ser este trabalho burocratizado. Ou seja, a americanização é o
resultado do processo de demandas de burocratização e aperfeiçoamento do
processo do pesquisador. Dois papéis são descritos por Weber: o docente e o
pesquisador. Para Weber, a possibilidade de encontrar estas duas realidades em
uma só pessoa, neste contexto de complexificação racional, é mera coincidência.
A normalidade é ser separado.
Qual é, então, a possibilidade de especialização do cientista em sua
vocação? Só pode realizar sua verdadeira vocação pela disposição para sua
especialização. Cada vez mais a universidade vai exigir que o pesquisador seja
um especialista. É só na especialização que as pessoas vão poder contribuir
para a produção científica e para a própria sustentação da ciência, quando
deixa de ser um diletante. Para se dar conta da quantidade de conhecimento que
se produz, somente a especialização é possível. Weber se opõe ao diletante. Não
cabe ao pesquisador o diletante. Para ele não há espaço na universidade. Só
encontrará espaço na universidade o especialista. Mas nenhum especialista para
fazer pesquisa pode perder a inspiração. Se a inspiração faltar ao
especialista, ele se torna um burocrata sem espírito. O diletante não tem
inspiração. A inspiração sem especialização, também não vai surgir. Neste
sentido, o pesquisador se aproxima dos artistas. O conhecimento técnico
aprofundado, e alimentar a imaginação para que possa ter uma inspiração.
É neste contexto, do desenvolvimento da ciência na modernidade, que Weber
propõe o conceito que ele chamará de ‘desencantamento do mundo’, que já vinha
sendo construído progressivamente em seus escritos. As explicações mágicas são
superadas pela ciência. A ciência está relacionada a um processo de afastamento
do mundo. É a desmagificação. A Ciência proporcionou a certeza de que qualquer
coisa que existe possa ser explicada sem que seja pela magia. Não ter mais o
sentido geral da vida, que era explicado pelo processo de magnificação da vida,
promove este desencantamento pela vida. E qual seria a relação da ciência e o
desencantamento do mundo? Ela produz formas de pensar o desencantado. O
processo de desencantamento afasta a ciência da possibilidade de dar sentido à
vida. É neste processo histórico, que Weber vai posicionar a respeito do lugar
da ciência na modernidade.
O que a ciência pode fazer, uma vez que ela não pode produzir o sentido
da vida? A ciência produz uma série de técnicas de conhecimento para explicar
como as coisas funcionam.
Considerações finais
Como abordado nas linhas acima, a ciência e cientista tem um papel
fundamental na constituição do mundo moderno e é parte integrante do processo de
racionalização do mundo. As universidades são instituições de produção
científica fundamental, sendo uma das poucas instituições a sobreviver ao longo
dos séculos. Ela acompanhou e soube dialogar e se adaptar às grandes
transformações que ocorreram na sociedade ao longo do tempo, produzindo e
contribuindo no desenvolvimento da ciência, da cultura e da própria sociedade.
Não é possível compreender a sociedade moderna e propor planos de governança
que tenham o objetivo de desenvolvimento social, econômico e político, que não
abarque todas as áreas do saber, e entre elas as Ciências Humanas. No contexto
brasileiro, estamos vendo uma relativização do ambiente de produção científica
– as Universidades Públicas Federais – pelo governo, e a depreciação das áreas de
Ciências Humanas e Sociais. Há uma intensificação da perspectiva tecnicista do
saber científico, que atenda uma demanda na cadeia produtiva, cujo retorno
possa ser rápido e de maior visibilidade. Porém, há neste discurso, nesta
defesa da produção meramente técnica, um esvaziamento do valor das Ciências
Humanas, em razão do descrédito sobre a produção científica destas áreas, ainda
que elas tenham superado em números as produções científicas das áreas de
exatas.
Afirmar que as áreas das ciências humanas produzem um arcabouço científico
irrelevante para a sociedade, é desprezar todo o valor desta área específica na
sua produção e contribuição para o próprio planejamento político e de
desenvolvimento social, que podem determinar políticas públicas eficientes e
formar cidadãos que possam olhar a sociedade a partir de perspectivas diversas
e de modo crítico. São nos ambientes acadêmicos, de produção científica, que
são formados os profissionais que estarão na cadeia produtiva posteriormente.
Menosprezar a importância e relevância da multidisciplinaridade na formação
superior do profissional, é desconsiderar a formação que permite um olhar
ampliado, crítico e reflexivo.
A ciência possui técnicas de controle de objetividade, que permite
analisar elementos que estão na vida social. A ciência produz um método de
pensamento que tende a romper com o pensamento mais estabilizado – aquilo que
Durkheim chamava de senso comum. A ciência é capaz de dar elementos para que as
decisões que as pessoas venham a tomar, sejam decisões com maior clareza.
Referências
Bibliográficas
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'Ciências humanas são tão importantes quanto exatas e biológicas', diz
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Acesso em 24/06/2019.
OIVEIRA, F. O
ataque de Bolsonaro às Ciências Humanas é fundamentado em falácias. Disponível
em: <https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/ataque-bolsonaro-ciencias-humanas/> Acesso em: 24/06/2019.
PASSARINHO, N.
Sob ameaça de cortes no governo Bolsonaro, cursos de ciências sociais e humanas
concentram diversidade racial. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2019/05/09/sob-ameaca-de-cortes-no-governo-bolsonaro-cursos-de-ciencias-sociais-e-humanas-concentram-diversidade-racial.htm> Acesso em 24/06/2019.
Weber, M. “A
‘Objetividade’ do conhecimento na ciência social e na ciência política”. In:
Max Weber. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 2016.
Weber, M.
“Ciência como vocação”. In: In: Max Weber. Metodologia das Ciências Sociais.
São Paulo: Editora Cortez, 2016.
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