quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A Ciência e o papel do(a) cientista, na perspectiva de Weber - uma reflexão sobre o valor das Ciências Sociais e Humanidades


A Ciência e o papel do(a) cientista, na perspectiva de Weber - uma reflexão sobre o valor das Ciências Sociais e Humanidades.
por Juliano Marcel

Introdução
O presente artigo pretende abordar o tema: A ciência e o papel do(a) cientista, na perspectiva de Max Weber, baseado na recente polêmica sobre a relevância das Ciências Sociais e as áreas de humanidades, perpetrada pelo atual ministro da educação, Abraham Weintraub. Diversas foram as reações e respostas de diversas vertentes e áreas, seja entre os acadêmicos, jornalistas, juristas ou afins. No entanto, para abordar esta temática, será proposto três argumentos diferentes mobilizados para afirmar a relevância das Ciências Sociais, veiculados na imprensa. Em seguida, será elaborado uma reflexão sobre o papel da ciência na modernidade, nas discussões propostas por Weber em A Ciência como Vocação.

A polêmica do governo federal sobre áreas de humanidades

No dia 25 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro elogiou a postura do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de propor a redução dos investimentos em cursos de áreas humanas para priorizar os cursos que, nas palavras dele, “geram retorno de fato”, como “enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”. Segundo o presidente, a ideia é “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte”. A proposta de Weintraub foi anunciada, nessa quinta-feira (25/4), e endossada pelo presidente – via Twitter. O ministro fez o anúncio durante transmissão ao vivo pelo Facebook ao lado de Bolsonaro. Mas Abraham Weintraub não detalhou a dinâmica desta decisão. Em sua mensagem no Twitter sobre o tema, Jair Bolsonaro foi além e incluiu a expressão “humanas” para mostrar que esse direcionamento de gastos pode ser ainda mais amplo. “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”, escreveu ele, na sua rede social. Esta proposta reacendeu uma antiga polêmica sobre a relevância das áreas de humanas, em especial, a de Filosofia e Sociologia. Diversas foram as manifestações, a favor e contra a decisão. No entanto, será apresentado a seguir aquelas manifestações que foram contrárias à esta decisão do governo.
Após este episódio veiculado e amplamente compartilhado nas redes sociais, diversas foram as manifestações de repúdio à decisão do governo. Fausto Oliveira, em seu artigo publicado no site Portal Disparada afirma: “Na contramão do mundo desenvolvido, o Ministério da Educação começou, com todo aval do ‘presidente da República’, a desmontar a estrutura de ensino de Ciências Humanas no panorama universitário nacional” (DISPARADA, 2019). Ele continua afirmando que no argumento do presidente, está “a falácia de que cientistas humanos não contribuem com os processos produtivos, pois suas ações se resumiriam a produzir textos abstratos com nula aplicabilidade, e também ensinar jovens a fazer o mesmo”. Fausto Oliveira afirma, contestando a decisão do presidente, que na atualidade, o desenvolvimento produtivo, com seu alto grau de eficiência “demanda necessariamente do pensamento criativo, o questionamento constante”, cujas competências são estimuladas e desenvolvidas nas áreas de humanidades. Na atual forma de pensar o mundo globalizado e seu sistema produtivo multidisciplinar, que objetiva o desenvolvimento industrial a partir de competências do desenvolvimento criativo humano, “a inovação permanente, a contextualização de seus potenciais e riscos, [...] suas possibilidades de conexão com outros produtos e serviços,  [...] seus impactos socioambientais, suas interações psicológicas e estéticas com o consumidor, e ainda outros fatores”, são fundamentais para alcançar uma produção de ponta e com grande eficácia. Ele conclui afirmando que “a produção científica de ponta requer um misto de conhecimentos: as Ciências Exatas e Biológicas, quando aplicadas à produção de ponta, se misturam à Geografia, à Sociologia, aos estudos culturais, à Estética, à análise histórica e social”.
De forma semelhante, contrária à decisão do governo, o site de notícias Uol, veiculou uma matéria escrita por Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil em Londres, afirmando que estas áreas, Ciências Sociais e humanas, são as que mais concentram uma diversidade racial em relação às demais áreas acadêmicas. Embora estejam com o orçamento em risco, em razão do corte proposto pelo governo, ainda assim estas disciplinas apresentam maior diversidade racial tanto nas universidades públicas quanto nas privadas. Nathalia apresenta um comparativo, afirmando que “enquanto nos cursos de Sociologia e Filosofia, há 1 negro para cada 3 e 4 brancos respectivamente”, nos cursos onde o presidente afirmou serem de maior retorno, ou seja, com um retorno financeiro mais rápido, os de medicina e veterinária, “a proporção é de 1 negro para 16 brancos”. Há a possibilidade de que, de acordo com a matéria, o corte de verbas para estas áreas signifique, na prática, uma redução desta diversidade nas universidades. Nesta matéria, a professora entrevistada Andreza de Souza Santos, diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, afirma que “o eventual corte de investimento em cursos de ciências sociais e humanas traria como efeito de curto prazo um ‘embranquecimento’ das universidades federais”, uma vez que cursos como as da área de exatas possuem uma nota de corte muito alta, e os candidatos negros oriundos de escolas públicas com baixa qualidade de ensino, não conseguiriam acessar este ambiente. Logo, não apenas as áreas das Ciências Sociais e humanas são importantes como áreas de produção científica, bem como, são, também, os ambientes mais democratizados nas universidades, uma vez que permitem o acesso ao curso superior de um número maior de pessoas de baixa renda e maioria negros(as).
Rafael Barifouse, da BBC News Brasil em São Paulo, escreveu uma matéria no site da BBC Brasil, entrevistando a cientista política Danielle Allen, professora da Universidade de Havard, nos Estados Unidos, onde ela afirma que “sem os conhecimentos das ciências humanas não é possível entender a sociedade”. Allen afirma, nesta entrevista, que não é possível “criar leis para ter uma boa governança com os conhecimentos de Engenharia e de Física”; é necessário a produção científica das áreas das ciências humanas para compreender a sociedade e poder traçar bons planos de governos. Allen afirma, também, que a “redução de investimentos em ciências humanas e sociais e o maior foco na educação de ciências exatas e biológicas geram uma menor participação dos cidadãos”, e conclui dizendo que “a razão pela qual temos instituições democráticas é por causa de disciplinas como filosofia, sociologia, direito, história, entre outras”.
As três matérias veiculadas, apresentam argumentos relevantes sobre a importância das Ciências Sociais e sua relevância para a sociedade.

O papel da ciência na modernidade segundo Weber

Weber vai se dedicar ao que se chamava de Ciência do Espírito, área a que pertencia a sociologia. Seus questionamentos podem ser traduzidos por: qual é o status de ciência das Ciências Sociais? Como o estudo das sociedades e suas culturas podem serem consideradas como científicas? Como se produzir algo científico nas análises das sociedades? Afinal, os agentes sociais não permitem que exista uma noção universal sobre os seus próprios fenômenos. É possível, então, trazer das ciências naturais noções que possam compreender e explicar as sociedades? Os indivíduos podem ter motivações inconscientes que ele próprio não tem conhecimento de suas motivações. O indivíduo pode se enganar. Logo, existe uma complexidade sobre a análise da sociedade. É possível um conhecimento “objetivo” das sociedades? Por conhecimento “objetivo”, entende-se a possibilidade de construir um conhecimento que seria objetivo e que se descola do próprio ponto de vista do sujeito observador, e se estabelece como objetivo.
Para Weber, o método das ciências naturais não serviria para analisar os fenômenos sociais. Weber busca afirmar que é possível as ciências sociais construir uma análise dos fenômenos sócias objetivo, que é compreendido independente dos valores do sujeito observador, sem os métodos das ciências naturais. No texto A Objetividade do conhecimento na ciência social e na ciência política, Weber vai procurar dar respostas a estas questões. Este texto está dentro de um contexto histórico, onde Weber e outros pesquisadores estão desenvolvendo um programa coletivo das Ciências Sociais, estão numa disputa de poder. Se a ideia de ciência é ter uma validade objetiva, como é possível ter uma validação objetiva da significação que os sujeitos dão a sua ação social? O foco de análise de Weber, é o sujeito, a ação social. O que separa as ciências naturais das ciências sociais, não é o objeto em si, mas as variadas perguntas que podemos fazer para este mesmo objeto. É possível, então, olhar para a sociedade buscando encontrar as normas e leis gerais e invariantes; tanto quanto, é possível encontrar fenômenos particulares, singulares. Afinal, as pessoas estão inseridas em diversas relações no mundo, na qual elas se articulam para determinar uma série de práticas e ações.
Neste sentido, Weber compreende que seu contexto é o de uma intensa complexificação resultado de uma intensa racionalização do mundo. Neste sentido, a reflexão sobre o papel da ciência e do pesquisador passa a importar, em razão de que a própria ciência está passando pelo processo de racionalização burocrática. No livro Metodologia das Ciências Sociais, no capítulo que trata da “Ciência como vocação”, Weber faz uma comparação entre a Alemanha e os EUA, e pontua a americanização das universidades alemãs. Com a complexidade do sistema, cada vez mais o sistema universitário alemão vai se aproximar das universidades americanas, em razão de necessidades de transformações na própria Alemanha. Como o trabalho vai se tornando complexo – aqui o trabalho é o processo racional da produção capitalista –, os laboratórios também se tornaram complexos e as atividades nas universidades passaram por um processo de burocratização, de modo que o custo de uma pesquisa e o trabalho de pesquisador não pode ser mais sustentado pelo próprio pesquisador. Assim, quem coordena a pesquisa, deixa de ser o próprio pesquisador e passa a ser o coordenador dos meios de produção das universidades. Estas transformações são os resultados da racionalização decorrente do processo de complexificação. Assim como o trabalhador fica dependente da indústria, o pesquisador fica dependente do coordenador do laboratório, que a vê como sua. Este é o resultado da burocratização da modernidade. Este processo de separação do trabalhador dos meios de produção, gera o que Weber chama de racionalização do trabalho. Cada vez que esta racionalização se intensifica, o pesquisador deixa de ter uma relação direta com o resultado do seu trabalho, de modo que se coloca numa produção em série. Cada vez mais os pesquisadores vão se especializando em determinadas áreas e perdendo a noção do todo do trabalho intelectual. A antiga organização da universidade se tornou uma ficção. O trabalho decente para Weber tende a ser este trabalho burocratizado. Ou seja, a americanização é o resultado do processo de demandas de burocratização e aperfeiçoamento do processo do pesquisador. Dois papéis são descritos por Weber: o docente e o pesquisador. Para Weber, a possibilidade de encontrar estas duas realidades em uma só pessoa, neste contexto de complexificação racional, é mera coincidência. A normalidade é ser separado.
Qual é, então, a possibilidade de especialização do cientista em sua vocação? Só pode realizar sua verdadeira vocação pela disposição para sua especialização. Cada vez mais a universidade vai exigir que o pesquisador seja um especialista. É só na especialização que as pessoas vão poder contribuir para a produção científica e para a própria sustentação da ciência, quando deixa de ser um diletante. Para se dar conta da quantidade de conhecimento que se produz, somente a especialização é possível. Weber se opõe ao diletante. Não cabe ao pesquisador o diletante. Para ele não há espaço na universidade. Só encontrará espaço na universidade o especialista. Mas nenhum especialista para fazer pesquisa pode perder a inspiração. Se a inspiração faltar ao especialista, ele se torna um burocrata sem espírito. O diletante não tem inspiração. A inspiração sem especialização, também não vai surgir. Neste sentido, o pesquisador se aproxima dos artistas. O conhecimento técnico aprofundado, e alimentar a imaginação para que possa ter uma inspiração.
É neste contexto, do desenvolvimento da ciência na modernidade, que Weber propõe o conceito que ele chamará de ‘desencantamento do mundo’, que já vinha sendo construído progressivamente em seus escritos. As explicações mágicas são superadas pela ciência. A ciência está relacionada a um processo de afastamento do mundo. É a desmagificação. A Ciência proporcionou a certeza de que qualquer coisa que existe possa ser explicada sem que seja pela magia. Não ter mais o sentido geral da vida, que era explicado pelo processo de magnificação da vida, promove este desencantamento pela vida. E qual seria a relação da ciência e o desencantamento do mundo? Ela produz formas de pensar o desencantado. O processo de desencantamento afasta a ciência da possibilidade de dar sentido à vida. É neste processo histórico, que Weber vai posicionar a respeito do lugar da ciência na modernidade.
O que a ciência pode fazer, uma vez que ela não pode produzir o sentido da vida? A ciência produz uma série de técnicas de conhecimento para explicar como as coisas funcionam.
  
Considerações finais

Como abordado nas linhas acima, a ciência e cientista tem um papel fundamental na constituição do mundo moderno e é parte integrante do processo de racionalização do mundo. As universidades são instituições de produção científica fundamental, sendo uma das poucas instituições a sobreviver ao longo dos séculos. Ela acompanhou e soube dialogar e se adaptar às grandes transformações que ocorreram na sociedade ao longo do tempo, produzindo e contribuindo no desenvolvimento da ciência, da cultura e da própria sociedade. Não é possível compreender a sociedade moderna e propor planos de governança que tenham o objetivo de desenvolvimento social, econômico e político, que não abarque todas as áreas do saber, e entre elas as Ciências Humanas. No contexto brasileiro, estamos vendo uma relativização do ambiente de produção científica – as Universidades Públicas Federais – pelo governo, e a depreciação das áreas de Ciências Humanas e Sociais. Há uma intensificação da perspectiva tecnicista do saber científico, que atenda uma demanda na cadeia produtiva, cujo retorno possa ser rápido e de maior visibilidade. Porém, há neste discurso, nesta defesa da produção meramente técnica, um esvaziamento do valor das Ciências Humanas, em razão do descrédito sobre a produção científica destas áreas, ainda que elas tenham superado em números as produções científicas das áreas de exatas.
Afirmar que as áreas das ciências humanas produzem um arcabouço científico irrelevante para a sociedade, é desprezar todo o valor desta área específica na sua produção e contribuição para o próprio planejamento político e de desenvolvimento social, que podem determinar políticas públicas eficientes e formar cidadãos que possam olhar a sociedade a partir de perspectivas diversas e de modo crítico. São nos ambientes acadêmicos, de produção científica, que são formados os profissionais que estarão na cadeia produtiva posteriormente. Menosprezar a importância e relevância da multidisciplinaridade na formação superior do profissional, é desconsiderar a formação que permite um olhar ampliado, crítico e reflexivo.
A ciência possui técnicas de controle de objetividade, que permite analisar elementos que estão na vida social. A ciência produz um método de pensamento que tende a romper com o pensamento mais estabilizado – aquilo que Durkheim chamava de senso comum. A ciência é capaz de dar elementos para que as decisões que as pessoas venham a tomar, sejam decisões com maior clareza.

Referências Bibliográficas


BARIFOUSE, R. 'Ciências humanas são tão importantes quanto exatas e biológicas', diz professora de Harvard. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48070180?xtor=AL-[73]-[partner]-[uol.com.br]-[link]-[brazil]-[bizdev]-[isapi]> Acesso em 24/06/2019.


OIVEIRA, F. O ataque de Bolsonaro às Ciências Humanas é fundamentado em falácias. Disponível em: <https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/ataque-bolsonaro-ciencias-humanas/>  Acesso em: 24/06/2019.


PASSARINHO, N. Sob ameaça de cortes no governo Bolsonaro, cursos de ciências sociais e humanas concentram diversidade racial. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2019/05/09/sob-ameaca-de-cortes-no-governo-bolsonaro-cursos-de-ciencias-sociais-e-humanas-concentram-diversidade-racial.htm>  Acesso em 24/06/2019.


Weber, M. “A ‘Objetividade’ do conhecimento na ciência social e na ciência política”. In: Max Weber. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 2016.


Weber, M. “Ciência como vocação”. In: In: Max Weber. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 2016.

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