quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A Ideologia Alemã - Marx e Engels - comentário p.73 por Juliano Marcel


Comentário 1° Parágrafo p. 73

Chegou-se a tal ponto, portanto, que os indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência. Essa apropriação está primeiramente condicionada pelo objeto a ser apropriado – as forças produtivas desenvolvidas até formar uma totalidade e que existem apenas no interior de um intercâmbio universal. Sob essa perspectiva, portanto, tal apropriação tem de ter um caráter correspondente às forças produtivas e ao intercâmbio. A apropriação dessas forças não é em si mesma nada mais do que o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. A apropriação de uma totalidade de instrumentos de produção é, precisamente por isso, o desenvolvimento de uma totalidade de capacidades nos próprios indivíduos. Essa apropriação é, além disso, condicionada pelos indivíduos que apropriam. Somente os proletários atuais, inteiramente excluídos de toda autoatividade, estão em condições de impor sua autoatividade plena, não mais limitada, que consiste na apropriação de uma totalidade de forças produtivas e no decorrente desenvolvimento de uma totalidade de capacidades. Todas as apropriações revolucionárias anteriores foram limitadas; os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um instrumento de produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova limitação. Seu instrumento de produção tornava-se sua propriedade, mas eles mesmos permaneciam subsumidos à divisão do trabalho e ao seu próprio instrumento de produção. Em todas as apropriações anteriores, uma massa de indivíduos permanecia subsumida a um único instrumento de produção; na apropriação pelos proletários, uma massa de instrumentos de produção tem de ser subsumida a cada indivíduo, e a propriedade subsumida a todos. O moderno intercâmbio universal não pode ser subsumido aos indivíduos senão na condição de ser subsumido a todos”. (MARX, K. & ENGELS, 2007, p. 73).

Para Marx, a vida particular do ser humano é exteriorizada por meio da mediação do trabalho do homem na sua relação com a natureza. O trabalho, portanto, é o elemento central. O trabalho não é unicamente produção de coisas. Somos seres sociais por causa do trabalho. A consciência é o elemento intermediador na relação do homem e natureza, o trabalho como resultado abstração da natureza. A lógica causal da natureza, abstraída por meio da objetivação da natureza subjetivada, torna-se objeto das finalidades humanas e o ser humano faz da lógica natural objetos das suas necessidades. É isso que distingue o ser humano dos demais animais. O animal não abstrai. É incapaz de olhar a natureza e pensar conscientemente a partir da relação de produção para satisfazer as suas necessidades, responde unicamente à necessidade instintual. Já no ser humano, a consciência é central. Marx está aproximando o trabalho na capacidade de abstrair, de pré-ordenar, a partir de suas necessidades e no contato com a natureza. No caso do ser social, a divisão do trabalho cria um novo tipo de cena. No mundo animal se tem uma sofisticação no ponto de vista do que é o animal, uma possível consciência, esta determinação não avança, embora foge a possibilidade de conhecer humano, não se desenvolve. Para Marx, o trabalho é o reflexo do que você é. Já no animal, não se tem uma capacidade de abstração com objetivos teleológicos. Marx afirma que no animal, não há uma produção de trabalho que crie um novo tipo de ser e de relações sociais. Não existe ser humano, sem trabalho. O trabalho é o promotor da essência do homem.
A crítica de Marx recai sobre o fato de que o trabalho, que é um fator constitutivo natural do próprio homem, está sendo utilizado no capitalismo como mercadoria. Quando Marx faz a distinção do ser genérico, está banindo o fator social de diferenciação entre o trabalhador e aquele que se apropria do trabalho estranhado. Você precisa do trabalho para se reconhecer como indivíduo. Não tem como pensar em sociabilidade sem o trabalho. O trabalho é o mediador social do ponto de vista histórico. Nós humanizamos a natureza (trabalho) e a natureza nos naturaliza. A subjetividade se objetiva na medida que se incorpora os elementos da externação das essências e potencialidades humanas. A apropriação dessas forças, produtiva e de trabalho, não é em si mesma, nada mais do que o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. Marx está falando do capitalismo do ponto de vista de como outros sistemas econômicos foram sedimentados. Faz uma leitura de como a forma econômica de relação entre indivíduos determinam as ideias. Fala de uma ideologia, um modo de pensar, pode alterar as formas com que as pessoas se relacionam, determinando uma expropriação do trabalho, sem que o trabalhador se perceba expropriado, antes, entende como natural. Marx afirma que o Capital expropria o trabalho, o instrumento de trabalho e o produto produzido.
Se o trabalho é o que constitui o homem, é nela que o homem se realiza. E esta realização, de autoatividade, está na apropriação da totalidade do trabalho, as forças produtivas, que determinará a totalidade das capacidades humanas. É a consciência de si, formada a partir do trabalho, que determina sua subjetividade enquanto ser. Nunca deixamos de ser natureza. Mas sofremos um recuo daquilo que a natureza é. Quanto mais você se relaciona com a natureza, mais você se incorpora e sofistica. Sua subjetividade cresce e a consciência das necessidades se ampliam. Por consciência entende-se a capacidade intelectual de abstrair. Tudo o que se aprende passa a fazer parte da sua constituição, e constituição no nível coletivo. Quanto mais a sociedade avança, do ponto de vista das ciências, mais a subjetividade se amplia. Neste sentido, a Filosofia alemã, criticada por Marx em A Ideologia Alemã, acha que o problema da humanidade não está vinculado às formas de relações sociais de produção humana, mas nas crenças. Por isso ela faz uma crítica à religião. No entanto, Marx vai propor que está medida de tensão está vinculada nas relações de produção e reprodução de vida, no trabalho, na economia, na reprodução cotidiana, dos próprios valores, como os elementos que servem para reproduzir a própria vida, as mercadorias. O problema para os filósofos, estava na crença e não no problema que gerou esta crença. Marx parte do princípio hegeliano para procurar a origem da crença, a gênese e o desenvolvimento, do ponto de vista da relação do homem e natureza. O primeiro passo para a consciência da emancipação, é saber que o ser humano é um produto de si mesmo – é vincular a sua existência à sua atividade. Não se pode criar nada que não tenha conexão com a realidade material.
Marx vai introduzir o tema revolução, afirmando que tudo o que se identificou como revolucionário na história foram limitadas. Ou seja, “os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um instrumento de produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova limitação” (2007, p. 73). Por revolução, entende-se o esgotamento de uma dada relação e a superação desta, por meio de uma nova. Quando as relações entre forças produtivas e relações de produção se tornam difíceis de se manter, Marx fala que é o momento da revolução. Mas isso pode demandar tempo, até este esgotamento. Ele propõe que o estágio revolucionário se faz necessário, em razão da apropriação da totalidade das forças produtivas, força de trabalho e meios de produção por parte de um outro, uma vez que a apropriação dela se configura a emancipação e apropriação da totalidade do ser em sua capacidade natural. O homem se distingue dos animais, em razão do modo com que ele produz e reproduz a vida. Quando produz os meios de vida, produz sua própria vida material. Logo, é legítimo que ele seja o proprietário do que produz e dos meios que utilizou para a produção e reprodução da vida. Esta produção se amplia e se manifesta no aumento da população, exigindo assim, um intercâmbio de relações entre indivíduos, mediada e condicionada pela produção. Porém, nas relações de intercâmbio, o trabalhador foi expropriado de seus meios de produção e do seu produto de trabalho, perdendo, assim, parte do que é constitutivo do seu ser, lhe restando apenas como propriedade, a sua prole. Eis a razão de Marx afirmar que “os indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência” (2007, p.73). Esta autoatividade não se alcançará, sem que o homem se aproprie da totalidade das forças produtivas, nas relações de intercâmbio que se estabelecem a partir da produção e internacionalização do mercado. É na união dos indivíduos, em razão do intercâmbio universal, que está a possibilidade de subsumir os meios de produção a todos, uma vez que o processo produtivo já não se submete a um intercâmbio limitado. Ou seja, para Marx:

“O trabalho, único vínculo que os indivíduos ainda mantêm com as forças produtivas e com sua própria existência, perdeu para eles toda aparência de autoatividade e só conserva sua vida definhando-a. Enquanto, em períodos precedentes, a autoatividade e a produção da vida material estavam separadas pelo único fato de que elas incumbiam a pessoas diferentes e que a produção da vida material, devida à limitação dos próprios indivíduos, era concebida ainda como uma forma inferior de autoatividade, agora a autoatividade e a produção da vida material se encontram tão separadas que a vida material aparece como a finalidade, e a criação da vida material, o trabalho (que é, agora, a única forma possível mas, como veremos, negativa, da autoatividade), aparece como meio”. (Marx, K. 2007, p.72)

Para Marx, então, a única forma dos indivíduos alcançarem sua autoatividade, é se apropriar totalmente dos meios de produção e reprodução da vida, desenvolvendo a totalidade de suas capacidades, enquanto ser.


Referência Bibliográfica
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 73.
______________________

Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.
 

Continue lendo >>

Função e Estrutura Social nas perspectivas de Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard | Professor Juliano Marcel


O estrutural-funcionalismo na perspectiva de Malinowski, Evans-Pritchard e Radcliffe-Brown.


O presente artigo pretende distinguir os conceitos de função e estrutura social dentro das perspectivas de Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard, uma vez que, embora façam uso das mesmas palavras, os conceitos apresentam aplicações distintas para cada autor.  Em Malinowski, a cultura é pensada enquanto uma totalidade, de um tipo particular, que não tem necessariamente um único princípio integrador. Para Radcliffe-Brown, a estrutura social é composta de uma rede de relações diáticas, de pessoa a pessoa. Em Evans-Pritchard, a estrutura social é rompida por sub-estruturas que constituem unidades políticas sem, no entanto, a necessidade de um sistema de poder estabelecido. As estruturas sociais vão ser descritas como modelos, de modo a auxiliar outras pessoas a compreender outras diversas organizações sociais em qualquer outra sociedade.

Estrutura Social em Malinowski
Dentre os fenômenos observados pelo etnógrafo in loco, segundo Malinowski, deve-se dar atenção aos “imponderáveis da vida real” e do comportamento típico, cujos fenômenos abrangem a vida cotidiana dos nativos, o cuidado com os corpos, alimentação, conversas e vida social, laços de amizades, e etc., é o olhar atencioso do pesquisador que conseguirá extrair destes fenômenos a compreensão das estruturas daqueles povos e elaborar um corpus inscriptionum, uma coleção de asserções, narrativas, palavras características, elementos folclóricos e fórmulas mágicas.
O que é uma totalidade? Inicialmente, Malinowski tinha uma noção de todo, mas não tinha uma noção de sistema. A noção de totalidade vem da sociologia durkheimiana. A primeira categoria de entendimento que uma sociedade gera, em Durkheim, são as categorias da vida social. Durkheim, vai afirmar que a primeira categoria é a noção de totalidade. Toda sociedade ao refletir sobre si mesmo, percebe que ela é uma totalidade, em razão de que seus elementos devem estar fundamentalmente integrados. Cada elemento desempenha algum tipo de função. A consciência de um indivíduo forma um todo. Isso é o que acontece com uma sociedade, tanto no nível morfológico quanto no nível social. A noção de totalidade é fundamental para compreender os elementos da vida social e a relação que estes elementos estabelecem na totalidade da vida social.
Malinowski descreve as instituições sociais, buscando responder a duas perguntas básicas: como diferentes instituições se integram umas às outras, através da satisfação de necessidades de outras instituições; e, quais funções as instituições sociais desempenham para satisfazer as necessidades dos indivíduos, das pessoas concretas. Dupla preocupação funcional: o modo pelo qual as diferentes instituições se articulam entre si, e o modo pelo qual as instituições respondem as necessidades concretas dos indivíduos. A expressão descritiva de uma totalidade, dotada de sentido dos nativos, pede uma teoria da totalidade. A teoria base de Malinowski é a noção de totalidade durkheimiana.
Entre os trobriandeses, o fenômeno do Kula, observado e descrito por Malinowski, proporciona trocas diversas que não estão ligadas à ideia econômica de valor, mas de relacionamento. O Kula ganha a simbolização de totalidade da vida social, proposta por Malinowski. O Kula não tem como foco a necessidade utilitário ente as pessoas, mas na capacidade de articular as relações entre as diversas tribos. O poder do Kula é produzir relações sociais através dos objetos trocados e não produzir objetos para estabelecer relações sociais, no sentido de valor do trabalho embutido no objeto. A finalidade última do Kula, não é produzir mercadorias para gerar riquezas, mas sim, produzir relações sociais que se estabelecem a partir da troca destes objetos. Qual o lugar da troca nas relações sociais que extrapolam o que entendemos sobre economia? Como as relações de troca se espalha em diversas camadas da vida sociais? Quais podem ser os elementos presentes no Kula, que determinam as relações sociais e condicionamentos a partir das trocas? Como, ao produzir a reciprocidade como elemento chave, não somente de um elemento da vida social, mas de todas as dimensões da vida social, permite que as relações sociais perduram no tempo sem a necessidade de um Estado e leis que as determinem?
Malinowski rejeita a visão de que o ordenamento de uma cultura, ou sociedade, seja o resultado a uma obediência mecânica às regras de qualquer natureza. É preciso, para que uma sociedade perdure no tempo, que ela estabeleça relações que determinam a articulação e interação da vida social. Malinowski vai refletir nas formas de organização social, se afastando do sistema evolucionista, a partir de um direito incorporado pelas tradições. O que funciona como lei para os trobriandeses? Como estas leis são vistas, quando elas são quebradas? Como as pessoas reagem às leis inseridas dentro daquele contexto? O objetivo é analisar como eles vivem, imergidos dentro dos fatos concretos diretamente experimentados pelas pessoas que estão imersos naquelas relações. Como estas relações são vividas? Para Malinowski, não é possível pensar a forma sem a função. Não é possível imaginar uma sociedade em que os indivíduos seguem uma norma, a partir de fatores externos. Antes, é necessário compreender a lei e como o indivíduo internaliza esta lei e age ou reage a partir da sua individualização desta norma social. Para Malinowski, importa saber as motivações que determinam a forma com que as pessoas vivem. Se tudo tem uma função, tudo atende a uma necessidade. Se a cultura cria relações de reciprocidade, ela gera a necessidade de se manter as normas e leis criadas por uma cultura para que a reciprocidade possa ser um compromisso social assumido do indivíduo em relação ao outro. Ao atender as necessidades de reciprocidade, isso gera um prestígio pessoal no social, e é o que retroalimenta as relações de reciprocidade. É a criação de motivações pessoais para a satisfação das necessidades coletivas de reciprocidade. E é esta visão de reciprocidade nas relações sociais que respondem a uma função, que determina a compreensão da totalidade dentro de uma estrutura social.

Estrutura Social em Radcliffe-Brown
Para Radcliffe-Brown, a antropologia tem que ser capaz de explicar, classificar, produzir uma tipologia dos fenômenos sociais e das sociedades que seja capaz de encontrar leis gerais. Para compreender o princípio normativo da constituição social, é necessário a compreensão do conceito de “pessoa”. Uma pessoa é um feixe de relações, é um ponto onde diferentes relações sociais se relacionam. As relações sociais são feitas basicamente entre direitos e deveres. Estes direitos e deveres se dão sobre pessoas, que são um feixe de relações sociais. Assim, uma estrutura social só pode ser observada por meio dos seus processos morfológicos. Estes processos se estabelecem, se manifestam, nas relações de pessoa para pessoa, nas relações sociais. A partir desta compreensão, Radcliffe-Brown afirma que só é possível compreender leis gerais para a manutenção da vida social por meio da comparação destas relações sociais.
Radcliffe-Brown vai introduzir o tema “parentesco” como um fator fundamental para a compreensão das relações sociais. O parentesco é fundamental na vida dos povos não-ocidentais. Sistemas de parentesco, são sistemas que definem relações de pessoa-pessoa. Qualquer sistema de parentesco deve ser entendido sob a chave dual (pai-filha, mãe-filho, irmão-irmã). As relações pessoa-pessoa são marcadas por direito e deveres, se fazendo necessário, então, estudar as formas, continuidade e descontinuidade destas relações. As relações de parentesco são modos de regrar e determinar as condutas sociais. Por meio do parentesco, o pesquisador pode conhecer a forma com que as pessoas podem e não podem se relacionar na vida social. Qual a primeira relação de parentesco socialmente conhecida? A filiação. Qualquer sistema de parentesco, seria determinado pelo modo como se trata a filiação. Compreendendo como se trata a filiação, é possível determinar as leis jurídicas (como determinar herança, casamento, função e etc.). A filiação determina, nas pessoas, seus primeiros conhecimentos de direitos e deveres. O reconhecimento fundamental da filiação, fornece o quadro básico de direitos e deveres que são agregados a cada pessoa que nasce. A filiação, reconhecida socialmente, toma forma na descendência. A teoria da filiação, em Radcliffe-Brown, vai se inaugurar posteriormente à Teoria da Descendência. Para Radcliffe-Brown, o que define um sistema patrilinear, são as relações de filiação. Já na teoria da descendência, desloca-se o foco das relações de pessoa-pessoa, para as relações de grupos sociais. Existe, para o autor, uma distinção entre filiação e descendência. Filiação, são relações sociais reconhecidas, mas não produz grupos. Já na descendência, as relações sociais, produzem grupos em razão da descendência. As relações não são pessoa-pessoa, mas são as relações de grupos-grupos. Neste sentido, para Radcliffe-Brown, o sistema de parentesco é fundamental para a compreensão da estrutura social, pois é ela que determina as relações sociais.

Estrutura Social em Evans-Pritchard
Evans-Pritchard faz uma distinção entre estrutura social e estrutura política. Ele está interessado nos sistemas políticos dos povos. Em como eles formam uma unidade política, sem que ela dependa de um sistema centralizador ou uma ordem hierárquica estabelecida, sem um sistema de poder estabelecido. Como ter uma unidade política não hierárquica, não centralizada? Se não há aparelho de Estado, há a necessidade da existência de algo que possa ordenar as relações sociais e a organização das pessoas. A coordenação do tempo e espaço, expressam as necessidades de outras ordens, que são próprias das estruturas sociais, de acordo com Evans-Pritchard. Ele observa como os clãs se constituem enquanto grupo, como unidades, que podem agir enquanto tais em relação a outras unidades. Quando Evans-Pritchard está falando de sistema político, está falando destes grupos que se comportam como grupo e enquanto grupos. Para compreender os sistemas políticos, é necessário compreender os elementos que compões as estruturas sociais nas relações sociológicas, nos grupos etários, e as distâncias sociais. O tempo e o espaço são fundamentais para compreender as estruturas políticas de determinados grupos sociais. Na coordenação das atividades no tempo e no território, afirma que a variação do clima, determina a forma com que os grupos se organizam no tempo, de acordo com os ciclos ecológicos. Os pontos de referência para falar dos ciclos ecológicos não são os elementos da natureza, mas são as atividades que as pessoas fazem em determinados ciclos. Uma sociedade organiza suas atividades a partir de ciclos ecológicos. Os espaços de habitação, a partir de ciclos ecológicos (chuva e a seca) são diferentes, as relações sociais que desenrolam nestes lugares dentro destes ciclos são diferentes. Ele insiste na necessidade de diferenciar entre tempo e espaço ecológico e tempo estrutural e espaço (distância) estrutural. Ou seja, ele afirma sobre o tempo relativo entre os grupos. O que significa dizer que o tempo pode ser diferente entre os grupos? As relações entre sistemas etários e as relações entre sistemas de linhagens. Pode-se ter pontos de referências que são compartilhados por todos. A temporalidade das próprias linhagens são os pontos de referências para determinar o tempo. Quando um grupo etário se inicia e as pessoas que nascem integram o grupo etário X, torna-se um determinador de tempo deste referido grupo etário. Este tempo é uma referência exclusivamente sociológica. Este modo de contar o tempo é remetido à estrutura social. São marcações de tempo que tomam como referência acontecimentos que marcam a vida.
Evans-Pritchard afirma que estas unidades políticas se organizam a partir do conflito. A relação estabelecida entre estes grupos, unidades políticas, é de oposição. O motor destes conflitos é o “gado”. A unidades residenciais Nuer se organizam em torno da relação com o seu gado. Os danos feitos ao gado são estruturalmente semelhantes aos danos causados a parentes. Em Radcliffe-Brown, na estrutura social as relações se mantém e são observáveis. Na estrutura social em Evans-Pritchard, as relações são segmentadas em grupos. Para Evans-Pritchard, a separação entre sistema político e estrutura social, vai ter repercussões importantes para a antropologia política. Os Nuer, são identificados como um povo, mas não no sentido de identidade de um Estado-Nação com elementos de poder coercitivos; antes, são um povo na oposição, no confronto, na guerra, que as unidades políticas se manifestam. Embora não haja grupo social antes de quaisquer relações, as relações que se estabelecem são as de oposição, de confronto, da diferença. É uma sociedade igualitária, que recusa qualquer hierarquia social. Seus chefes não têm poder de mando, são pacificadores, são estrangeiros, cativos de guerra, não tem poder, só arbitram dentro de uma estrutura que se desenrola independente de sua vontade. Os conflitos são guerras de vingança contínua. Quando é que as unidades políticas aparecem? Quando há o conflito, a contradição. A unidade política só surge quando algo entre elas acontece evidenciando a diferença. Quando este fator aparece, há uma unidade maior promovida pelo elemento de fusão em uma unidade política. A estrutura de unidade política proposta por Evans-Pritchard, é um modelo formal, podendo ser aplicada em qualquer estrutura social de diferentes tribos. A natureza dos grupos políticos é relacional, não são substâncias que estão prontas. São gerados “em relação” por meio de um sistema político que tem a “contradição” como motor, como promotor de valores. A contradição, a oposição, é o que vai dar o “equilíbrio” entre estas forças. Se é por meio da oposição que uma unidade pode existir, a persistência em unidade numa escala superior impede que as ficções ocorram de modo a quebrar a unidade. A oposição não é um incidente. O conflito é a mola do sistema social, que permite que o sistema social seja cindindo sem que se quebre, sem que implique numa dissolução do sistema. Há oposições acontecendo em todas as escalas, o que força a divisão a se apagar de tempos em tempos. Evans-Pritchard afirma que a vida social entre os Nuer é de constante conflito. No entanto, não há um povo na barbárie, na anomia. Pelo contrário, há uma lógica na organização no conflito. O conflito é um elemento fundamental para a unidade política.
Evans-Pritchard afirma que o sistema de linhagens é a armadura não-política do sistema político. As linhagens operam numa lógica segmentar de forma idêntica a lógica segmentar dos grupos políticos. Uma linhagem não age como grupo, não funcionam como unidade política. A segmentação da linhagem ocorre em paralelo a segmentos políticos, mas não são motivos para a unidade política. A linhagem opera como grupo na vida ritual. Qual o significado das linhagens? Determinar a definição do meio de transmissão da propriedade. A herança se dissolve nas linhagens. São sistemas, baseadas em grupos, que estão gerindo propriedades coletivas, gerindo a transmissão e a redenção dos valores. Um modo de integração das pessoas na vida social e um modo de integração na transferência de riquezas.

Considerações finais
No estrutural-funcionalismo, não há uma uniformidade na conceituação dos termos estrutura social, totalidade e função. Cada autor vai aplicar o conceito, a partir de referenciais que lhes são próprios. Em Malinowski, a cultura é pensada enquanto uma totalidade, de um tipo particular, que não tem necessariamente um único princípio integrador. O trabalho de Malinowski seria descrever como se organiza esta estrutura social, as relações de integração seria uma só, o conceito de função. As instituições devem responder a determinadas funções e necessidades, biológicas e psicológicas. O “ponto de vista do nativo” é fundamental para Malinowski. É necessário descrever esta totalidade a partir do olhar do nativo. Sendo que o Kula, entre os trobriandeses, foi fundamental para dar esta noção de totalidade integradora. Em Radcliffe-Brown, a sociedade é tema fundamental. Ele chama de estrutura social, trata como fato empírico, uma rede de relações diáticas, de pessoa a pessoa, que tem como centro, nas sociedades africanas e não-ocidentais o parentesco como meio pelo qual os indivíduos são inseridos numa rede de direito e deveres. Em Evans-Pritchard, a estrutura social vai ser dividida em sistema social geral, sistema político, sistema de linhagens, sistema de parentesco (que engloba a totalidade de relações que as pessoas travam), sistema econômico. Para Evans-Pritchard, a estrutura social é rompida por cada uma destas sub-estruturas. As estruturas sociais vão ser descritas como modelos, de modo a auxiliar outras pessoas a compreender outras diversas organizações sociais em qualquer outra sociedade.
Assim, todos os autores citados estão preocupados em questionar os resultados que poderiam vir de uma análise histórica não documentada, produzido pelo evolucionismo ou difusionismo. Ao invés de descrever o modo como uma cultura veio a ser como é, passa a ser descrito a partir do ponto de vista em que todo o sistema seja explicado de modo recortado ao todo. O deslocamento que acontece, passa por este movimento, como se olhar para as culturas ou sociedades e descrever os vários elementos que compõe a vida social daquelas pessoas, como elas se relacionam entre si. Se o conceito de estrutura está presente em Radcliffe-Brown, tanto quanto em Evans-Pritchard, quer dizer que cada um está usando o mesmo conceito para descrever fenômenos diferentes. Em Malinowski, a estrutura pode ser identificada no fenômeno do Kula, que é capaz de articular uma rede de trocas que determinam as relações sociais entre os trobriandeses. A função de reciprocidade é fundamental como centro de gravidade da vida social, como função básica de produção de ordem, o meio como as pessoas desejam reproduzir ordem, troca, relações, e etc.
O lugar do conceito de função e estrutura, são diferentes para os três autores, no estrutural-funcionalismo.

Referências Bibliográficas
EVANS-PRITCHARD, Edward E. 2002 [1940]. “Introdução” (pp. 4-21), “Capítulo 3 - Tempo e Espaço” (pp. 107-150). In Os Nuer. São Paulo: Perspectiva.


_______. 2002 [1940]. “Capítulo 4: O sistema político” (pp. 151-200) e “Capítulo 5 - O sistema de linhagens” (pp. 201-256). In: Os Nuer. São Paulo: Perspectiva.


MALINOWSKI, Bronislaw. 1981. “A lei e a ordem primitivas” (pp. 49-67) e “A teoria funcional” (pp. 169-188). In E. R. Durham (org.). Malinowski (Antropologia). Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Editora Ática.


_______. 1978 [1922]. “Introdução” (pp. 17-34) e “Capítulo 3 - Características essenciais do Kula” (pp. 71-86). In Os Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural.


RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. 2013 [1935-1940]. “Sobre o conceito de função em Ciências Sociais” (pp. 161-168) e “Sobre a estrutura social” (pp. 169-182). In Estrutura e Função na sociedade primitiva. São Paulo: Editora Vozes.


______. “O método comparativo em Antropologia Social”. In Radcliffe-Brown (Antropologia). Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática.

 _______________________

Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.

Continue lendo >>

  ©:: Ética Com-Vivência | Estudos :: - Todos os direitos reservados.

Template by DB | Topo