A Ideologia Alemã - Marx e Engels - comentário p.73 por Juliano Marcel
“Chegou-se a tal ponto, portanto, que os indivíduos
devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas
para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência.
Essa apropriação está primeiramente condicionada pelo objeto a ser apropriado –
as forças produtivas desenvolvidas até formar uma totalidade e que existem
apenas no interior de um intercâmbio universal. Sob essa perspectiva, portanto,
tal apropriação tem de ter um caráter correspondente às forças produtivas e ao
intercâmbio. A apropriação dessas forças não é em si mesma nada mais do que o
desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos
materiais de produção. A apropriação de uma totalidade de instrumentos de
produção é, precisamente por isso, o desenvolvimento de uma totalidade de
capacidades nos próprios indivíduos. Essa apropriação é, além disso,
condicionada pelos indivíduos que apropriam. Somente os proletários atuais,
inteiramente excluídos de toda autoatividade, estão em condições de impor sua
autoatividade plena, não mais limitada, que consiste na apropriação de uma
totalidade de forças produtivas e no decorrente desenvolvimento de uma
totalidade de capacidades. Todas as apropriações revolucionárias anteriores
foram limitadas; os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um
instrumento de produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse
instrumento de produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova
limitação. Seu instrumento de produção tornava-se sua propriedade, mas eles
mesmos permaneciam subsumidos à divisão do trabalho e ao seu próprio
instrumento de produção. Em todas as apropriações anteriores, uma massa de
indivíduos permanecia subsumida a um único instrumento de produção; na apropriação
pelos proletários, uma massa de instrumentos de produção tem de ser subsumida a
cada indivíduo, e a propriedade subsumida a todos. O moderno intercâmbio
universal não pode ser subsumido aos indivíduos senão na condição de ser
subsumido a todos”. (MARX, K. & ENGELS, 2007, p. 73).
Para Marx, a vida particular do ser humano
é exteriorizada por meio da mediação do trabalho do homem na sua relação com a
natureza. O trabalho, portanto, é o elemento central. O trabalho não é
unicamente produção de coisas. Somos seres sociais por causa do trabalho. A
consciência é o elemento intermediador na relação do homem e natureza, o
trabalho como resultado abstração da natureza. A lógica causal da natureza,
abstraída por meio da objetivação da natureza subjetivada, torna-se objeto das
finalidades humanas e o ser humano faz da lógica natural objetos das suas
necessidades. É isso que distingue o ser humano dos demais animais. O animal
não abstrai. É incapaz de olhar a natureza e pensar conscientemente a partir da
relação de produção para satisfazer as suas necessidades, responde unicamente à
necessidade instintual. Já no ser humano, a consciência é central. Marx está aproximando
o trabalho na capacidade de abstrair, de pré-ordenar, a partir de suas
necessidades e no contato com a natureza. No caso do ser social, a divisão do
trabalho cria um novo tipo de cena. No mundo animal se tem uma sofisticação no
ponto de vista do que é o animal, uma possível consciência, esta determinação
não avança, embora foge a possibilidade de conhecer humano, não se desenvolve.
Para Marx, o trabalho é o reflexo do que você é. Já no animal, não se tem uma
capacidade de abstração com objetivos teleológicos. Marx afirma que no animal,
não há uma produção de trabalho que crie um novo tipo de ser e de
relações sociais. Não existe ser humano, sem trabalho. O trabalho é o promotor
da essência do homem.
A
crítica de Marx recai sobre o fato de que o trabalho, que é um fator
constitutivo natural do próprio homem, está sendo utilizado no capitalismo como
mercadoria. Quando Marx faz a distinção do ser genérico, está banindo o fator
social de diferenciação entre o trabalhador e aquele que se apropria do trabalho
estranhado. Você precisa do trabalho para se reconhecer como indivíduo. Não tem
como pensar em sociabilidade sem o trabalho. O trabalho é o mediador social do
ponto de vista histórico. Nós humanizamos a natureza (trabalho) e a natureza
nos naturaliza. A subjetividade se objetiva na medida que se incorpora os
elementos da externação das essências e potencialidades humanas. A apropriação
dessas forças, produtiva e de trabalho, não é em si mesma, nada mais do que o
desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos
materiais de produção. Marx está falando do capitalismo do ponto de vista de
como outros sistemas econômicos foram sedimentados. Faz uma leitura de como a
forma econômica de relação entre indivíduos determinam as ideias. Fala de uma
ideologia, um modo de pensar, pode alterar as formas com que as pessoas se
relacionam, determinando uma expropriação do trabalho, sem que o trabalhador se
perceba expropriado, antes, entende como natural. Marx afirma que o Capital
expropria o trabalho, o instrumento de trabalho e o produto produzido.
Se
o trabalho é o que constitui o homem, é nela que o homem se realiza. E esta
realização, de autoatividade, está na apropriação da totalidade do trabalho, as
forças produtivas, que determinará a totalidade das capacidades humanas. É a
consciência de si, formada a partir do trabalho, que determina sua
subjetividade enquanto ser. Nunca deixamos de ser natureza. Mas sofremos um
recuo daquilo que a natureza é. Quanto mais você se relaciona com a natureza,
mais você se incorpora e sofistica. Sua subjetividade cresce e a consciência
das necessidades se ampliam. Por consciência entende-se a capacidade
intelectual de abstrair. Tudo o que se aprende passa a fazer parte da sua
constituição, e constituição no nível coletivo. Quanto mais a sociedade avança,
do ponto de vista das ciências, mais a subjetividade se amplia. Neste sentido,
a Filosofia alemã, criticada por Marx em A Ideologia Alemã, acha que o problema
da humanidade não está vinculado às formas de relações sociais de produção
humana, mas nas crenças. Por isso ela faz uma crítica à religião. No entanto,
Marx vai propor que está medida de tensão está vinculada nas relações de
produção e reprodução de vida, no trabalho, na economia, na reprodução
cotidiana, dos próprios valores, como os elementos que servem para reproduzir a
própria vida, as mercadorias. O problema para os filósofos, estava na crença e
não no problema que gerou esta crença. Marx parte do princípio hegeliano para
procurar a origem da crença, a gênese e o desenvolvimento, do ponto de vista da
relação do homem e natureza. O primeiro passo para a consciência da
emancipação, é saber que o ser humano é um produto de si mesmo – é vincular a
sua existência à sua atividade. Não se pode criar nada que não tenha conexão
com a realidade material.
Marx
vai introduzir o tema revolução, afirmando que tudo o que se identificou como
revolucionário na história foram limitadas. Ou seja, “os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um instrumento de
produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse instrumento de
produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova limitação” (2007,
p. 73). Por revolução, entende-se o esgotamento de uma dada relação e a
superação desta, por meio de uma nova. Quando as relações entre forças
produtivas e relações de produção se tornam difíceis de se manter, Marx fala
que é o momento da revolução. Mas isso pode demandar tempo, até este esgotamento.
Ele propõe que o estágio revolucionário se faz necessário, em razão da
apropriação da totalidade das forças produtivas, força de trabalho e meios de
produção por parte de um outro, uma vez que a apropriação dela se configura a
emancipação e apropriação da totalidade do ser em sua capacidade natural. O
homem se distingue dos animais, em razão do modo com que ele produz e reproduz
a vida. Quando produz os meios de vida, produz sua própria vida material. Logo,
é legítimo que ele seja o proprietário do que produz e dos meios que utilizou
para a produção e reprodução da vida. Esta produção se amplia e se manifesta no
aumento da população, exigindo assim, um intercâmbio de relações entre
indivíduos, mediada e condicionada pela produção. Porém, nas relações de
intercâmbio, o trabalhador foi expropriado de seus meios de produção e do seu
produto de trabalho, perdendo, assim, parte do que é constitutivo do seu ser,
lhe restando apenas como propriedade, a sua prole. Eis a razão de Marx afirmar
que “os
indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não
apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua
existência” (2007, p.73). Esta
autoatividade não se alcançará, sem que o homem se aproprie da totalidade das
forças produtivas, nas relações de intercâmbio que se estabelecem a partir da
produção e internacionalização do mercado. É na união dos indivíduos, em razão
do intercâmbio universal, que está a possibilidade de subsumir os meios de
produção a todos, uma vez que o processo produtivo já não se submete a um
intercâmbio limitado. Ou seja, para Marx:
“O trabalho, único vínculo que os
indivíduos ainda mantêm com as forças produtivas e com sua própria existência,
perdeu para eles toda aparência de autoatividade e só conserva sua vida
definhando-a. Enquanto, em períodos precedentes, a autoatividade e a produção
da vida material estavam separadas pelo único fato de que elas incumbiam a
pessoas diferentes e que a produção da vida material, devida à limitação dos
próprios indivíduos, era concebida ainda como uma forma inferior de
autoatividade, agora a autoatividade e a produção da vida material se encontram
tão separadas que a vida material aparece como a finalidade, e a criação da
vida material, o trabalho (que é, agora, a única forma possível mas, como
veremos, negativa, da autoatividade), aparece como meio”. (Marx, K. 2007, p.72)
Para Marx, então, a única forma dos
indivíduos alcançarem sua autoatividade, é se apropriar totalmente dos meios de
produção e reprodução da vida, desenvolvendo a totalidade de suas capacidades,
enquanto ser.
Referência
Bibliográfica
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano
Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 73.
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Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.
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Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.