quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A Ideologia Alemã - Marx e Engels - comentário p.73 por Juliano Marcel


Comentário 1° Parágrafo p. 73

Chegou-se a tal ponto, portanto, que os indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência. Essa apropriação está primeiramente condicionada pelo objeto a ser apropriado – as forças produtivas desenvolvidas até formar uma totalidade e que existem apenas no interior de um intercâmbio universal. Sob essa perspectiva, portanto, tal apropriação tem de ter um caráter correspondente às forças produtivas e ao intercâmbio. A apropriação dessas forças não é em si mesma nada mais do que o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. A apropriação de uma totalidade de instrumentos de produção é, precisamente por isso, o desenvolvimento de uma totalidade de capacidades nos próprios indivíduos. Essa apropriação é, além disso, condicionada pelos indivíduos que apropriam. Somente os proletários atuais, inteiramente excluídos de toda autoatividade, estão em condições de impor sua autoatividade plena, não mais limitada, que consiste na apropriação de uma totalidade de forças produtivas e no decorrente desenvolvimento de uma totalidade de capacidades. Todas as apropriações revolucionárias anteriores foram limitadas; os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um instrumento de produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova limitação. Seu instrumento de produção tornava-se sua propriedade, mas eles mesmos permaneciam subsumidos à divisão do trabalho e ao seu próprio instrumento de produção. Em todas as apropriações anteriores, uma massa de indivíduos permanecia subsumida a um único instrumento de produção; na apropriação pelos proletários, uma massa de instrumentos de produção tem de ser subsumida a cada indivíduo, e a propriedade subsumida a todos. O moderno intercâmbio universal não pode ser subsumido aos indivíduos senão na condição de ser subsumido a todos”. (MARX, K. & ENGELS, 2007, p. 73).

Para Marx, a vida particular do ser humano é exteriorizada por meio da mediação do trabalho do homem na sua relação com a natureza. O trabalho, portanto, é o elemento central. O trabalho não é unicamente produção de coisas. Somos seres sociais por causa do trabalho. A consciência é o elemento intermediador na relação do homem e natureza, o trabalho como resultado abstração da natureza. A lógica causal da natureza, abstraída por meio da objetivação da natureza subjetivada, torna-se objeto das finalidades humanas e o ser humano faz da lógica natural objetos das suas necessidades. É isso que distingue o ser humano dos demais animais. O animal não abstrai. É incapaz de olhar a natureza e pensar conscientemente a partir da relação de produção para satisfazer as suas necessidades, responde unicamente à necessidade instintual. Já no ser humano, a consciência é central. Marx está aproximando o trabalho na capacidade de abstrair, de pré-ordenar, a partir de suas necessidades e no contato com a natureza. No caso do ser social, a divisão do trabalho cria um novo tipo de cena. No mundo animal se tem uma sofisticação no ponto de vista do que é o animal, uma possível consciência, esta determinação não avança, embora foge a possibilidade de conhecer humano, não se desenvolve. Para Marx, o trabalho é o reflexo do que você é. Já no animal, não se tem uma capacidade de abstração com objetivos teleológicos. Marx afirma que no animal, não há uma produção de trabalho que crie um novo tipo de ser e de relações sociais. Não existe ser humano, sem trabalho. O trabalho é o promotor da essência do homem.
A crítica de Marx recai sobre o fato de que o trabalho, que é um fator constitutivo natural do próprio homem, está sendo utilizado no capitalismo como mercadoria. Quando Marx faz a distinção do ser genérico, está banindo o fator social de diferenciação entre o trabalhador e aquele que se apropria do trabalho estranhado. Você precisa do trabalho para se reconhecer como indivíduo. Não tem como pensar em sociabilidade sem o trabalho. O trabalho é o mediador social do ponto de vista histórico. Nós humanizamos a natureza (trabalho) e a natureza nos naturaliza. A subjetividade se objetiva na medida que se incorpora os elementos da externação das essências e potencialidades humanas. A apropriação dessas forças, produtiva e de trabalho, não é em si mesma, nada mais do que o desenvolvimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. Marx está falando do capitalismo do ponto de vista de como outros sistemas econômicos foram sedimentados. Faz uma leitura de como a forma econômica de relação entre indivíduos determinam as ideias. Fala de uma ideologia, um modo de pensar, pode alterar as formas com que as pessoas se relacionam, determinando uma expropriação do trabalho, sem que o trabalhador se perceba expropriado, antes, entende como natural. Marx afirma que o Capital expropria o trabalho, o instrumento de trabalho e o produto produzido.
Se o trabalho é o que constitui o homem, é nela que o homem se realiza. E esta realização, de autoatividade, está na apropriação da totalidade do trabalho, as forças produtivas, que determinará a totalidade das capacidades humanas. É a consciência de si, formada a partir do trabalho, que determina sua subjetividade enquanto ser. Nunca deixamos de ser natureza. Mas sofremos um recuo daquilo que a natureza é. Quanto mais você se relaciona com a natureza, mais você se incorpora e sofistica. Sua subjetividade cresce e a consciência das necessidades se ampliam. Por consciência entende-se a capacidade intelectual de abstrair. Tudo o que se aprende passa a fazer parte da sua constituição, e constituição no nível coletivo. Quanto mais a sociedade avança, do ponto de vista das ciências, mais a subjetividade se amplia. Neste sentido, a Filosofia alemã, criticada por Marx em A Ideologia Alemã, acha que o problema da humanidade não está vinculado às formas de relações sociais de produção humana, mas nas crenças. Por isso ela faz uma crítica à religião. No entanto, Marx vai propor que está medida de tensão está vinculada nas relações de produção e reprodução de vida, no trabalho, na economia, na reprodução cotidiana, dos próprios valores, como os elementos que servem para reproduzir a própria vida, as mercadorias. O problema para os filósofos, estava na crença e não no problema que gerou esta crença. Marx parte do princípio hegeliano para procurar a origem da crença, a gênese e o desenvolvimento, do ponto de vista da relação do homem e natureza. O primeiro passo para a consciência da emancipação, é saber que o ser humano é um produto de si mesmo – é vincular a sua existência à sua atividade. Não se pode criar nada que não tenha conexão com a realidade material.
Marx vai introduzir o tema revolução, afirmando que tudo o que se identificou como revolucionário na história foram limitadas. Ou seja, “os indivíduos, cuja autoatividade estava limitada por um instrumento de produção e por um intercâmbio limitados, apropriavam-se desse instrumento de produção limitado e chegavam, com isso, apenas a uma nova limitação” (2007, p. 73). Por revolução, entende-se o esgotamento de uma dada relação e a superação desta, por meio de uma nova. Quando as relações entre forças produtivas e relações de produção se tornam difíceis de se manter, Marx fala que é o momento da revolução. Mas isso pode demandar tempo, até este esgotamento. Ele propõe que o estágio revolucionário se faz necessário, em razão da apropriação da totalidade das forças produtivas, força de trabalho e meios de produção por parte de um outro, uma vez que a apropriação dela se configura a emancipação e apropriação da totalidade do ser em sua capacidade natural. O homem se distingue dos animais, em razão do modo com que ele produz e reproduz a vida. Quando produz os meios de vida, produz sua própria vida material. Logo, é legítimo que ele seja o proprietário do que produz e dos meios que utilizou para a produção e reprodução da vida. Esta produção se amplia e se manifesta no aumento da população, exigindo assim, um intercâmbio de relações entre indivíduos, mediada e condicionada pela produção. Porém, nas relações de intercâmbio, o trabalhador foi expropriado de seus meios de produção e do seu produto de trabalho, perdendo, assim, parte do que é constitutivo do seu ser, lhe restando apenas como propriedade, a sua prole. Eis a razão de Marx afirmar que “os indivíduos devem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmente para assegurar a sua existência” (2007, p.73). Esta autoatividade não se alcançará, sem que o homem se aproprie da totalidade das forças produtivas, nas relações de intercâmbio que se estabelecem a partir da produção e internacionalização do mercado. É na união dos indivíduos, em razão do intercâmbio universal, que está a possibilidade de subsumir os meios de produção a todos, uma vez que o processo produtivo já não se submete a um intercâmbio limitado. Ou seja, para Marx:

“O trabalho, único vínculo que os indivíduos ainda mantêm com as forças produtivas e com sua própria existência, perdeu para eles toda aparência de autoatividade e só conserva sua vida definhando-a. Enquanto, em períodos precedentes, a autoatividade e a produção da vida material estavam separadas pelo único fato de que elas incumbiam a pessoas diferentes e que a produção da vida material, devida à limitação dos próprios indivíduos, era concebida ainda como uma forma inferior de autoatividade, agora a autoatividade e a produção da vida material se encontram tão separadas que a vida material aparece como a finalidade, e a criação da vida material, o trabalho (que é, agora, a única forma possível mas, como veremos, negativa, da autoatividade), aparece como meio”. (Marx, K. 2007, p.72)

Para Marx, então, a única forma dos indivíduos alcançarem sua autoatividade, é se apropriar totalmente dos meios de produção e reprodução da vida, desenvolvendo a totalidade de suas capacidades, enquanto ser.


Referência Bibliográfica
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 73.
______________________

Juliano Marcel é Graduado em Filosofia e Bacharelando em Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia e Ciência Política) pela UNICAMP.
 

0 comentários:

Postar um comentário

  ©:: Ética Com-Vivência | Estudos :: - Todos os direitos reservados.

Template by DB | Topo